Identidade de gênero não é uma “ideologia” que busca confundir a cabeça das crianças nem “transformar meninos em meninas”, como andam dizendo por aí. O termo, na verdade, se refere à maneira como cada pessoa se enxerga como indivíduo e se expressa na sociedade, independentemente do seu sexo biológico e sem se restringir a um determinado “modelo padrão” de comportamento masculino ou feminino.
Esse foi o tema do último USP Talks, realizado no dia 30 de julho, no auditório do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Veja os vídeos do evento abaixo.
“A gente caracteriza tudo na nossa vida; tudo entra numa caixinha”, disse o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório Interdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que foi um dos palestrantes. “O problema não é ter caixinhas; é se resumir a caixinhas.”
Segundo ele, todos têm uma identidade de gênero, que começa a se expressar por volta dos 3 ou 4 anos de idade, e que em 99% dos casos corresponde ao sexo biológico da pessoa (homem ou mulher). Mas há os casos em que a identidade de gênero acaba conflitando com o sexo biológico, caracterizando a transexualidade — especialidade do seu ambulatório, que acompanha 80 crianças e 170 adolescentes trans.
“Olhar uma criança que não pode ser quem ela é, é algo extremamente violento”, relatou Saadeh. “Eu não transformo meninos em meninas; eu simplesmente escuto essas crianças. Elas sabem quem elas são.”
A verdadeira “ideologia de gênero”, segundo a psicanalista Regina Navarro Lins, é o que existe hoje: um modelo predominantemente patriarcal (dominado pelos homens), em que as pessoas são socialmente obrigadas a se comportar de acordo com modelos pré-definidos do que significa ser homem ou mulher. Por exemplo, na manutenção do velho estereótipo de que “homem não chora”, ou de que meninos devem vestir azul e brincar de carrinho, enquanto as meninas vestem rosa e brincam de boneca. Quem não se enquadra nesses modelos é frequentemente ridicularizado, ou até discriminado.
“A identidade de gênero é tudo isso que as crianças aprendem desde que nascem; sobre o que elas são e como elas têm de se comportar”, descreveu Regina, na palestra de abertura do evento.
O problema se agrava com o passar do tempo, à medida que escolhas sobre brinquedos e roupas dão lugar a escolhas sobre profissões, esportes e estilos de vida, que não necessariamente correspondem ao desejo verdadeiro das pessoas.
“O condicionamento cultural é tão forte que você chega à idade adulta e não sabe mais (distinguir entre) o que você deseja e o que você aprendeu a desejar”, disse Regina, que é comentarista e autora de vários livros sobre relacionamentos sexuais e amorosos. “Durante muito tempo isso foi uma coisa séria, porque sempre as pessoas foram muito mutiladas. Você tinha que abrir mão de aspectos da sua personalidade para se encaixar no que era esperado como masculino ou feminino.”
Atualmente, porém, ela acredita que a sociedade caminha para o fim da divisão estrita de gênero, libertando as pessoas para se expressarem com mais liberdade, da forma que se sentirem melhor. “Você percebe que a fronteira entre masculino e feminino está se dissolvendo. Hoje não existe nada que interesse a uma mulher que não interesse a um homem; e isso é condição até para uma sociedade de parceria. Cada vez mais as pessoas estão questionando e refletindo sobre isso.”
Ao final das palestras, Regina e Alexandre responderam a perguntas do auditório (vídeo abaixo).
Os eventos do USP Talks acontecem mensalmente, no auditório do Masp, com entrada gratuita. O próximo evento será sobre Desafios da Educação no Brasil, com participação dos reitores das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp), dia 20 de agosto, das 18h às 19h30.
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