Apesar da expansão das políticas de inclusão, o acesso ao ensino superior brasileiro ainda está restrito a uma parcela pequena da população. Dados levantados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2019, demonstram que somente cerca de 20% da população entre 25 e 34 anos possui um diploma de nível superior no País. De acordo com o mesmo levantamento, 40% dos ingressantes em universidades, em 2019, pertenciam aos 20% da população com maior poder econômico. No mesmo ano, só 5% pertenciam aos 20% mais pobres da população.
O acesso à educação superior no Brasil é historicamente limitado a membros pertencentes das classes A e B. “Tem um fenômeno muito antigo no acesso à universidade brasileira, que é o predomínio de uma classe média, classe média alta, branca, frequentadora das instituições particulares de educação básica e isso está sendo desmontado”, contou em entrevista Maria Isabel de Almeida, professora associada do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação (FE) da USP.
Segundo Maria Isabel, é possível notar os resultados das políticas de inclusão econômicas e raciais nas universidades. Recentemente, a USP divulgou que o perfil dos ingressantes da instituição foi constituído de estudantes vindos das escolas públicas, pela primeira vez em sua história. De acordo com a professora, os atuais posicionamentos de membros do Poder Executivo e do Ministério da Educação (MEC) parecem não ter interesse em realizar a manutenção dessas políticas.
A professora destaca que, para entender esse posicionamento, é necessário contextualizá-lo na história brasileira. A atual ideologia do governo parece ser influenciada pela política educacional da ditadura militar, que pregava um ensino voltado para o ensino técnico superior. “Historicamente, o ensino técnico no Brasil, de maneira generalizada, é muito ruim, uma produção de péssima qualidade enquanto proposta formativa, ela não valoriza os sujeitos, não valoriza o trabalho”, afirma a professora, e completa: “Ouvir da boca deste ministro [Milton Ribeiro] que nós deveremos ter uma universidade para poucos e uma formação técnica para o resto, eu acho que é a expressão desse modo de compreender o mundo, dessa ideologia”.
Ensino superior e o mercado de trabalho
Recentemente, o ministro se posicionou, questionando o aproveitamento do ensino superior, devido às dificuldades que os graduandos têm para se inserir no mercado de trabalho. De acordo com um estudo do Núcleo Brasileiro de Estágios, cerca de 50% dos formandos das universidades afirmaram não estar trabalhando após a faculdade e, dentro da parcela empregada dos participantes do levantamento, somente 20% atuavam dentro da sua área de formação.
Para Fernando Coelho, professor de Gestão de Políticas Públicas na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, o Brasil, desde 2014, passa por uma crise econômica que agrava a taxa de desemprego entre a população, atingindo todos os setores da sociedade. “Parte, obviamente, desse desemprego afeta pessoas com educação superior que, na ausência de vagas no mercado de trabalho, acabam se deslocando para trabalhos alternativos”, diz o professor.
Para Coelho, o cenário de questionamento em torno do ensino superior é outro. Segundo ele, a reflexão está em se os cursos ofertados atendem às demandas tecnológicas e profissionais do País atualmente. De acordo com ele, existe uma concentração de matrícula em torno de alguns poucos cursos — como direito e administração, por exemplo —, sobretudo no mercado de ensino privado. “Talvez a gente tenha que ter maior clareza de uma política de ciência, tecnologia e inovação, em termos de formação na educação superior, de pessoas para os trabalhos do futuro ou mais aderentes com a dinâmica econômica”, afirma Coelho.
Coelho reforça que é necessário que se continue a expansão do ensino superior no Brasil, que ainda é baixa em relação a países da própria América Latina. Países como México, Colômbia, Chile e Argentina possuem uma população, entre 25 a 34 anos, com ensino superior completo, respectivamente, de 24%, 30%, 34% e 40%. “Então, a expansão precisa ser continuada, agora, essa expansão precisa ser qualificada”, diz ele.
Avaliação do ensino superior
A avaliação do panorama geral do ensino superior, em quesitos qualitativos e de definição de prioridades, é responsabilidade do MEC. Utilizando as informações disponibilizadas pelo Inep, a pasta poderia definir as pautas e priorizações que são consideradas como necessárias para a educação no País. No entanto, para Coelho, de forma geral, parece haver um processo desregulatório da política educacional nacional.
“O debate hoje de avaliação da educação superior no Brasil dentro do Inep e dentro do Conselho Nacional de Educação é praticamente inexistente”, afirma Coelho. Apesar de existir o emprego de recursos públicos em programas como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), não existem levantamentos em torno da qualidade de ensino das instituições que se aproveitam dos programas nem em quais cursos eles são empregados.
Para Coelho, essa atitude parece estar alinhada com o pensamento neoliberal, adotado por diversas alas do Poder Executivo. Por essa visão, não existiria uma necessidade de regulamentação governamental para a expansão e manutenção do ensino superior, pois os princípios de oferta e demanda realizaram esse papel. Contudo, esse posicionamento entra no caminho da criação de políticas públicas que garantam a inserção do graduando de ensino superior no mercado.
O professor questiona qual a política nacional de ciência, tecnologia, inovação e a relação disso com a formação de recursos humanos em nível superior. Para ele, faltam recursos para que se avalie o mercado e os cursos e currículos para que haja a inserção do recém-formado no meio profissional. “Tinha-se um senso estratégico de educação, continuidades de políticas públicas com algum ajustamento a partir das diretrizes de cada governo e, de repente, isso se perde”, conclui Coelho.
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