O Brasil vem convivendo com altas taxas de desemprego. Apenas no primeiro semestre deste ano, segundo o IBGE, cerca de 14 milhões e 400 mil brasileiros procuravam um emprego, correspondendo a 14,4% da população. Na contramão da falta de vagas de trabalho, o setor de tecnologia da informação enfrenta sérios problemas para recrutar funcionários, só vendo aumentar o número de vagas necessárias. Foram 344% novos postos para profissionais plenos de TI e 173% para juniores no semestre passado, de acordo com uma empresa de recrutamento.
Se a situação do desemprego se resolverá com estabilidade econômica e política, não dá para ter certeza, mas que a defasagem entre quantidade de novas vagas e falta de mão de obra qualificada para a área de tecnologia é grande e poderá aumentar não resta dúvida. Segundo o professor Ildeberto Aparecido Rodello, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), “a quantidade de profissionais que são formados por ano não supera a demanda” exigida pelo processo de transformação digital que vivemos e essa defasagem pode piorar, já que a expectativa é de que, até 2024, o setor abra mais de 400 mil novas vagas.
No entanto, a questão não é recente. O professor afirma que há dez anos a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) já alertava para o crescimento da demanda por esses profissionais. “Já estávamos seguindo um caminho de automatização de muitos serviços, e isso exige mais técnicos de TI”, argumenta, exemplificando com as transformações digitais dos bancos, que vêm exigindo especialistas em seus diversos processos.
E a pandemia de covid-19, avalia Rodello, tornou esses profissionais “ainda mais essenciais para empresas e instituições de ensino”. A pandemia acelerou o processo de automatização de serviços, mas a disponibilidade de profissionais não segue o mesmo rumo, o que, para o professor Rodello, exige que o País enfrente o “desafio de atrair os jovens para a profissão”.
Além de serem poucos, os profissionais do setor trocam de emprego com muita frequência, informa Rodello. O motivo, segundo o professor, é a fartura de vagas e também “pelos novos desafios, projetos desafiadores”, e nem sempre por salário mais atrativo.
Luciana de Andrade Ignácio, diretora de uma empresa de RH de Ribeirão Preto, conta que, tanto para atrair quanto para manter um funcionário na empresa, está cada vez mais desafiador. Oferecer um aumento de salário não é mais suficiente, segundo ela, pois uma outra empresa pode vir a proporcionar ao profissional novos desafios e oportunidades de se expressarem por meio do trabalho.
“Muitas vezes, a pessoa está programando ou gerenciando os bancos de dados da empresa e se vê entediada, de certa forma”, analisa Luciana, afirmando que essa pessoa vai aceitar convite em outra empresa que oferecer emprego mais instigante. A diretora de RH insiste que às vezes, “mesmo oferecendo um aumento salarial e outras funções na empresa”, não consegue manter o profissional.
Ensinando a gostar de tecnologia
Para o professor Rodello, atrair os jovens para a área é desafiador. Ele conta que os jovens não veem a TI como opção de trabalho, porque acreditam que a profissão seja muito complexa e, ao mesmo tempo, desinteressante. É necessário, segundo Rodello, mudar tal visão antes que a escassez de trabalhadores se complique.
E é justamente na resolução dessas duas questões (ajudar a aumentar a quantidade de mão de obra em TI, ensinando meninas a gostar da profissão) que a Technovation Summer School for Girls trabalha. O projeto é desenvolvido pelo Grupo de Alunas de Ciências Exatas (GRACE), do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos, com meninas de oito a 18 anos que aprendem a programar, criar e gerenciar aplicativos, “cativando novas mentes para a profissão”.
A professora Kalinka Castelo Branco, diretora do GRACE, diz que a Technovation Summer School for Girls foi criada com o objetivo de tornar a composição de profissionais de TI mais heterogênea, já que a maioria é de homens. “Nosso maior desafio é mostrar às meninas que elas também podem ingressar na área, mas, além disso, temos que mostrar que TI não é um setor de exatas ‘chato’, por assim dizer”, conta.
“No curso de verão, as alunas aprendem sobre as bases da programação, a fazer o design e o pitch de ideias de aplicativos, como desenvolvê-los e, em seguida, a fazer o plano de negócios. Nas primeiras aulas, as professoras orientam as alunas sobre como fazer tudo isso e, nas aulas seguintes, deixam as alunas livres para fazer o brainstorm e criar um aplicativo em grupo”, explica Kalinka.
A professora acredita que as mulheres possam ocupar as vagas ociosas de hoje, amenizando o problema da defasagem entre oferta e demanda de trabalho no setor. E, ainda, com mais mulheres se profissionalizando em TI, Kalinka diz que a área poderá se desenvolver ainda mais devido à combinação de ideias e conhecimentos de profissionais de ambos os sexos. Apesar da redução da defasagem, a professora diz que a demanda por técnicos de TI deve continuar aumentando, pois mais serviços serão automatizados nos próximos anos.
Leia também sobre a edição de 2021 da Technovation Summer School for Girls e a busca por novas voluntárias.
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