Quando se pensava que todos os traumas políticos possíveis (impeachment de Dilma Rousseff, delações premiadas da Lava Jato, envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e políticos de menor envergadura em casos de corrupção e desvio de dinheiro, acusações de tráfico de influência e abusos de poder englobando as várias esferas do Poder Legislativo) já haviam atingido o coração da nação, uma nova e grave denúncia deixou estarrecidos todos os brasileiros na manhã desta quinta-feira (18). Uma matéria exclusiva do jornal O Globo, divulgada na quarta-feira (17), informa que o dono da JBS, Joesley Batista, afirmou à PGR (Procuradoria Geral da República) que o presidente Michel Temer (PMDB) deu aval à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) e do operador Lúcio Funaro, ambos presos na Operação Lava Jato.
De acordo com a publicação, as informações fazem parte de uma delação de Joesley que ainda não foi homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Sempre segundo o jornal O Globo, o depoimento do empresário foi dado à PGR em abril e, no dia 10 passado, o conteúdo foi comunicado ao ministro do Supremo, Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte. Também o senador Aécio Neves (PSDB-MG) teria sido gravado pedindo uma quantia de R$ 2 milhões ao dono da JBS, para pagar despesas com sua defesa na Lava Jato. Essa gravação teria sido realizada pelo próprio empresário e entregue à PGR.
Em entrevista ao Jornal da USP, veiculada pela Rádio USP, o cientista político José Álvaro Moisés demonstrou toda sua perplexidade com mais essa peça da engrenagem que move o funcionamento do esquema de corrupção sistêmica instalado no País – e, o que é ainda muito mais grave, dessa vez envolvendo no mar de lamas o chefe de governo, cuja posição, no atual momento, parece estar bastante comprometida. “Eu acho que nós estamos vivendo um momento extremamente delicado, muito grave, e que coloca o País num novo patamar de incertezas, de dúvidas e, em certo sentido, de decepção e desânimo com o que aconteceu”, declarou Álvaro Moisés.
Ele só vê duas saídas para o caso: a renúncia do presidente, que dessa forma aceleraria sua saída do governo, ou a Câmara dos Deputados aceitar os pedidos de impeachment contra o peemedebista, iniciando um processo de afastamento de Temer. Alessandro Molon (Rede-RJ) já protocolou um pedido nesse sentido, conforme informou o jornal O Globo. No caso de impeachment, a presidência seria ocupada, temporariamente, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, uma vez que o cargo de vice-presidente está vacante. No entanto, Álvaro Moisés entende que a melhor saída para o País seria a realização de eleições diretas, “um novo governo, com legitimidade para enfrentar toda essa questão”.
Um outro caminho que se abre é a cassação da chapa Dilma/Temer, mas isso implicaria que o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes, agilizasse o processo, já que essa questão está prevista para ser examinada pelo tribunal somente no início de junho. Em seu comentário, o colunista da Rádio USP coloca em xeque a própria sobrevivência do sistema partidário nacional, que está ferido de morte. Segundo ele, a situação lembra bastante o caso da Operação Mãos Limpas, na Itália, episódio após o qual os principais partidos desapareceram. Para Álvaro Moisés, os partidos teriam de se refundar, se reorganizar. “Eu acho que os partidos que se envolveram completamente em corrupção, se quiserem sobreviver, têm que se desculpar perante a opinião pública e a sociedade e assumir um compromisso, que tem de ser monitorado publicamente, de que não vão mais estar envolvidos em corrupção. Ou então, eles vão desaparecer”, profetiza.
O cientista político André Singer, também ouvido pelo Jornal da USP e a Rádio USP, concorda com Álvaro Moisés quanto à Operação Lava Jato atingir o coração dos partidos políticos brasileiros, principalmente os maiores (PT, PMDB e PSDB). Na opinião dele, se realmente ficar comprovado que Temer deu seu aval para uma operação de compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, a situação do presidente ficará insustentável. Ele lembra que, embora a Constituição diga, em um de seus artigos, que o presidente não pode ser investigado por crimes cometidos fora de seu mandato, isso não seria suficiente para amenizar sua situação, pois ele responde por um ato ocorrido em março deste ano, portanto, dentro de seu mandato.
Em sua defesa, Temer emitiu uma nota na qual admite ter estado com o empresário citado na gravação, mas que não teria dado aval à operação pela qual está sendo acusado. “Se houver uma comprovação da insustentabilidade da condição de presidente de Michel Temer, nós vamos atravessar um período institucionalmente bastante difícil”, afirmou Singer, que, a exemplo de Álvaro Moisés, também é colunista da Rádio USP. Ele observa que, em seu artigo 81, a Constituição diz que, na vacância de presidente e vice, assume o presidente da Câmara, que num prazo de 30 dias teria de convocar uma eleição indireta pelo Congresso, na forma da lei. “Ocorre que essa menção à forma da lei cria um tremendo problema, porque a lei não é clara a esse respeito, não existe lei atual, a que existe é de 7 de abril de 1964.”
Ainda segundo ele, está parado na Câmara um projeto de lei, datado de 2013, que atualiza essa lei. Esse projeto, que procura regulamentar o artigo 81, prevê a não necessidade de seguir os prazos de desincompatibilização – no caso de uma eleição indireta – normalmente estabelecidos numa eleição direta. Seja como for, o cientista político acredita que “talvez fosse melhor para a democracia brasileira uma eleição direta, antecipando as eleições previstas para 2018, o que talvez permitisse uma repactuação com a legitimação do voto popular, tanto em relação à presidência da República quanto ao próprio Congresso Nacional, que também está muito afetado por esse conjunto de denúncias”. Para isso, no entanto, seria necessário que o Congresso Nacional aprovasse um projeto de emenda constitucional que implicasse uma maioria qualificada de votos e, portanto, um processo provavelmente longo e de difícil negociação naquela Casa.
Além de André Singer e de Álvaro Moisés, também falaram à Rádio USP e ao Jornal da USP os professores Rubens Beçak (Faculdade de Direito da USP, campus de Ribeirão Preto), que tratou do caso do ponto de vista do Direito Constitucional, e Edgard Monforte Merlo (Faculdade de Economia e Administração, campus de Ribeirão Preto), que abordou a questão do lado econômico. Acompanhe os aúdios no link abaixo:
professor Edgard Monforte Merlo
professor Rubens Beçak