Expoentes da dança e da música criadas nas periferias participarão de um evento no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP para analisar essas expressões artísticas. O encontro dá continuidade ao ciclo Centralidades Periféricas, idealizado e iniciado em 2018 por Eliana Sousa Silva, titular da Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência. No ano passado, quatro eventos do ciclo trataram dos temas literatura, teatro, produções audiovisuais e pixo/grafitti. Jornal da USP no Ar conversou com Helena Katz, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), crítica de dança e coordenadora do Centro de Estudos em Dança (CED), que fundou em 1986; e Acauam Oliveira, doutor em Literatura Brasileira e professor da Universidade de Pernambuco (UPE).
De acordo com a professora Helena, é muito importante que a academia tenha aberto espaço para o campo da dança, porque essa forma de expressão está passando por uma mudança sensível em que mostra impacto da questão do negro, de gênero e do corpo trans. “Antes havia um silenciamento enorme com relação a esse tipo de produção, e agora ela passou a ficar um pouquinho mais vendida, então trazer isso para discussão é muito importante no momento.”
“A cultura periférica é uma das coisas mais relevantes que têm sido produzidas pelo menos nos últimos 20 anos”, tanto na música quanto na dança ou literatura, afirma Oliveira. Para ele, a academia demorou para se abrir a essa produção, mas “a quantidade de questões, tanto estéticas quanto políticas, que a periferia tenta apresentar ao universo acadêmico é fundamental”.
Helena enfatiza que é importante saber ouvir. A questão é saber reconhecer essa produção tão vital, grandiosa e potente: saber lê-la, ouvi-la, vê-la. “O grande problema é que, por questões estruturais como classe e injustiça social, a informação não circula horizontalmente”, explica. Uma forma de tentar contornar a situação é “nos alfabetizar nesse tipo de informação com a qual nosso encontro é mais discente, para que essa produção possa ser reconhecida na sua autenticidade, vitalidade e especificidades, sem qualquer ameaça.”
“O Brasil tem uma certa tradição de incorporar elementos mais marginalizados até certo ponto. Mas a questão que o rap coloca desde os anos 90, que é justamente a incorporação dos meios e da cidadania, está muito longe de ser resolvida”, pontua o professor Oliveira. Ele afirma que “a academia precisa mudar inclusive seus parâmetros epistemológicos, seu tipo de linguagem e o modo como o pensamento é organizado” para que o diálogo e a incorporação possam existir realmente.
Helena acredita que a solução não está apenas em políticas públicas, mas que deve ser feita com pequenos gestos, “como o de Lia Rodrigues, coreógrafa que fez um pequeno enorme gesto de levar sua companhia [de Centro de Artes] para a favela da Maré”.
O evento Centralidades Periféricas: Expressões de Corpos Periféricos na Cidade | Sons que Ecoam das Periferias acontece no dia 25 de março, das 9h às 17h. Haverá participação da cantora Karol Conka e uma performance do DJ KL Jay (Racionais Mc’s). Para mais informações, acesse este link.