O Catar anunciou que vai financiar a construção de um gasoduto para a Faixa de Gaza com cerca de US$ 60 milhões. O projeto deve partir dos campos de água profunda do Leviatã, ao leste do Mediterrâneo, passando por Israel, para então chegar na Faixa de Gaza, levando gás natural para a matriz energética da região. Também fará parte da iniciativa a União Europeia, que deve contribuir financeiramente com a construção com 20 milhões de euros.
O acordo foi anunciado pelo Ministério das Relações Exteriores do Catar e segue uma das tendências de suporte do país ao desenvolvimento de Gaza. Isso porque, hoje, a Faixa de Gaza possui energia suficiente para somente 11 horas de seu dia, uma vez que sua matriz é baseada principalmente em óleo diesel, transformado em energia elétrica em uma única usina termelétrica da região.
A extração e combustão do diesel são processos extremamente poluentes. Por isso, o professor André Felipe Simões, professor em Gestão Ambiental na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, enxerga a iniciativa do gasoduto como positiva em vários aspectos. Em primeiro lugar, há a questão energética. O gás natural, apesar de ainda ser um combustível fóssil e não renovável, é uma fonte de energia mais limpa que o óleo diesel: “A energia elétrica é gerada de uma forma muito mais ecologicamente correta do que você colocar ali carvão mineral ou diesel de Israel, e aí é também exemplo para outros países, principalmente da região, de indução a transição energética”.
Do meio ambiente à geopolítica
Junto a isso, há outro fator: o de relações internacionais. André Felipe, que também é especialista em Geopolítica da Energia, acredita que com o envolvimento de Israel, um rival histórico de Gaza, do Catar e da União Europeia, uma expectativa por mais paz na região é criada.
“Esse recurso energético, o mais importante pela perspectiva geopolítica, social e econômica, a expectativa é que traga paz para a região. Na medida em que os palestinos tiverem acesso a esse gás, você vai poder gerar energia elétrica para uma população maior. Inclusive você pode até exportar gás natural, ou mesmo petróleo da Cisjordânia, para outros povos da região, o que vai trazer paz”, aponta.
Contudo, o professor Fábio Bacila Sahd, doutor pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, contribui alertando para uma incoerência na perspectiva histórica. Ele lembra que, até hoje, Israel mantém bloqueios terrestres e marítimos à Faixa de Gaza, o que prejudica o acesso dos palestinos a recursos naturais.
Vale lembrar que a energia de Gaza, atualmente, depende de Israel em vários aspectos. O óleo diesel que abastece a usina termoelétrica é proveniente de Israel e vendido à Faixa de Gaza por intermédio das Nações Unidas. O restante da energia elétrica é fornecido por uma empresa israelense privada.
Conflito histórico
Além disso, o conflito Israel-Palestina já foi marcado pela energia. Em 2006, após o sequestro do soldado israelense Gilad Shalit pelo grupo palestino Hamas, forças de Israel bombardearam a usina de Gaza. Assim, ao mesmo tempo em que a implementação do gasoduto pode gerar uma preocupação para novos conflitos, ela também traz novas expectativas mais harmônicas.
Estas últimas são verificadas com uma convergência maior de Israel ao desenvolver o projeto. O Ministro de Energia israelense, Yuval Steinitz, disse que o projeto está sendo feito “em plena coordenação com seu país”.
Fábio Bacila, por outro lado, sob um pano de fundo histórico, enxerga contradições nesse processo. “Logo em 1996, com [Benjamin] Netanyahu como primeiro-ministro, há um fechamento e uma política de controle e repressão que passa sobretudo pela economia, pela manutenção dessa população [de Gaza] em uma situação de subalternidade, de dependência. Então esse tipo de acordo, entre Catar e Israel para desenvolvimento de gasoduto está muito mais voltado aos interesses econômicos do Catar e de Israel, recém-formados parceiros diplomáticos e comerciais.”
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