A estadunidense Simone Biles é uma das mais reconhecidas ginastas de todos os tempos. A conquista de cinco medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016 – recorde entre ginastas mulheres em uma mesma edição olímpica – já era suficiente para atrair as atenções para sua participação na Olimpíada de Tóquio 2020, encerrada no último domingo (8). Mas a atleta acabou se destacando por outro motivo: ela desistiu de quatro finais em Tóquio para cuidar da saúde mental, jogando os holofotes para um lado ainda pouco considerado no cotidiano de atletas de alto rendimento.
“Quando existe uma questão emocional que tira o atleta do seu foco, que é buscar uma colocação ou um resultado, isso interferirá no seu desempenho físico”, afirma a professora Katia Rubio da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Quando não há esse bem-estar mental, por exemplo, o resultado para o atleta pode chegar ao nível de lesões. “Imagine a Simone Biles fazendo as acrobacias que ela faz sem ter a convicção de que o que ela está fazendo é certo. Imagine o acidente que pode acontecer, colocando em risco a própria existência dela”, reflete Katia.
Ainda antes do início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, outro caso semelhante ao de Biles foi relatado no mundo do esporte. A tenista Naomi Osaka abandonou a competição de Roland Garros tempos depois de já ter boicotado procedimentos como coletivas de imprensa. Naomi, que tem 23 anos, fez isso após perceber um impacto adverso em seu bem-estar mental.
Exposição de atletas
A recorrência chama a atenção de especialistas. “No esporte atual, o atleta deve ser preparado para ser atleta, mas se torna também uma celebridade”, analisa a professora Ana Lúcia Padrão dos Santos da Escola de Educação Física e Esporte da USP. Ela lembra de pressões diversas na carreira de um atleta, que vão desde àquela exercida pela própria torcida até a dos patrocinadores. “A pressão sobre resultados é muito grande. O atleta acaba representando uma série de expectativas e se sente obrigado a corresponder. Isso nem sempre é uma tarefa fácil.”
Usando como exemplo a própria Simone Biles, mesmo estando longe dos atletas mais bem pagos, a ginasta fatura cerca de US$ 5 milhões anualmente através de 12 patrocinadores, segundo estimativas da Forbes. Os números de exposição em redes sociais como o Instagram também não passam despercebidos: são quase 7 milhões de seguidores.
“Na sociedade em que vivemos hoje, onde as redes sociais interferem diretamente sobre a vida privada das pessoas, caso essas pessoas não tenham algum tipo de filtro sobre as suas redes sociais, elas se tornam muito mais suscetíveis a ataques”, analisa Katia, que enxerga a preparação psicológica do atleta como tão importante quanto a preparação física.
Isso explica, por exemplo, de que forma esse bem-estar mental pode contribuir com a performance esportiva. “Atletas são seres humanos que precisam ser compreendidos nessa condição. Na medida em que o atleta é respeitado nas suas condições, ele terá um bom desempenho”, continua Katia.
A professora Ana Lúcia complementa, lembrando que, com a pandemia, que intensificou os fluxos de comunicação via ambiente digital, dada a inviabilidade de contatos físicos frequentes, o virtual tornou-se predominante: “O mundo se tornou uma grande arena, em que qualquer um pode assistir, dando apoio ou fazendo críticas. Você tem uma torcida mundial hoje em dia”.
A exposição proporcionada pelas redes sociais e pelas próprias atuações de um atleta são só alguns dos capítulos que marcam sua trajetória de transições. Ana Lúcia explica que qualquer mudança de proporção na vida de um atleta precisa ser bem medida, quando ele evolui de uma competição estadual para uma nacional, por exemplo. “Toda vez que isso é feito de uma maneira abrupta, não planejada, e que mexe muito com a rotina do indivíduo, a tendência maior é que ele saia do esporte e abandone a carreira esportiva.”
Saúde mental e o investimento no esporte
Quando se aponta para um caminho que valoriza a preparação psicológica tanto quanto a preparação física, regiões do mundo menos desenvolvidas, que já são reconhecidas pela falta de incentivos ao esporte, tendem a ficar para trás nessa questão. Segundo levantamento do projeto Transparência no Esporte, da Universidade Nacional de Brasília, o Brasil investiu 47% menos dinheiro para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 em relação aos do Rio 2016. Além disso, o programa de auxílio Bolsa Atleta não tem um reajuste desde 2010.
Ao se descobrir que o ano de 2021 foi de recordes para os brasileiros, com maior número de medalhas em uma mesma edição, é possível concluir que o sucesso depende de outros fatores além de investimentos financeiros, que passam pelo planejamento, rotina até chegar no suporte psicológico do atleta. “O esporte é feito de superações. A dúvida é: como a gente pode poupar o atleta de problemas que não necessariamente o vão transformar em um melhor atleta? Não é preciso passar fome para virar um atleta de alto rendimento”, reflete Ana Lúcia, lembrando de casos já noticiados pela mídia, como o do medalhista pelo surfe em Tóquio, Ítalo Ferreira, que teve de aprender a surfar com isopor ao invés de usar uma prancha profissional.
“A saúde mental dos atletas ou as frustrações que um atleta encontra durante a sua carreira esportiva deveriam ter um apoio de profissionais qualificados”, indica Ana Lúcia.
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