A Advocacia-Geral da União anunciou, na última quarta-feira (9), que ajuizou cinco ações judiciais para cobrar R$ 89 milhões de pessoas físicas e jurídicas acusadas de provocar queimadas e destruir vegetações nativas na Amazônia. Os focos de incêndio e a seca que atingem há mais de dois meses a Amazônia já podem ser considerados os maiores da série histórica, mas grande parte do fogo é provocada por ações humanas. De todos os focos que existem no País, a Amazônia concentra a maior parcela das ocorrências, cerca de 80%.
Crise Amazônia
A Amazônia é um dos mais valiosos patrimônios naturais da humanidade, a maior reserva natural do planeta e o maior bioma do Brasil. Só por esses dados já seria importante sua preservação, mas nos últimos meses o que se tem visto é seca em rios e incêndios na floresta. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a Amazônia bateu o recorde de focos de incêndio este ano e ainda superou o recorde mensal de carbono na atmosfera, o que compromete a camada de ozônio.
O cientista da área climática Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, explica que há 50 anos os incêndios são tradicionais na região para a pastagem de gado. “Isso tem muito a ver com a década de 70, quando a ditadura militar queria destruir a Amazônia, substituir a floresta por pastagem para a pecuária. Estamos chegando a 50 anos desses desmatamentos, então isso é uma tradição muito grande”, afirma.
O que explica parte dessas queimadas são as secas intensas na região da Amazônia desde o ano passado. O clima seco vem sendo registrado desde 2005, o que piora os incêndios, apesar da redução do desmatamento nos dois últimos anos. “Só que o que está acontecendo agora é algo muito diferente e tem duas explicações: um ano de muita seca, e consequentemente de incêndios, mas o que tudo indica é que a maioria deles é criminosa.”
O Brasil encerrou o mês de setembro de 2024 com o pior número de queimadas em 14 anos. O quinto maior da série histórica, iniciada em 1998. Foi uma alta de 144% em relação ao mesmo período de 2023. O fenômeno El Niño é o grande responsável por parte dessa seca intensa desde o ano passado. Ela prejudica não apenas a vegetação, mas também a navegabilidade dos rios. A expectativa agora é com a chegada do La Niña, que, segundo o professor, deve vir em novembro, fenômeno meteorológico no qual há o resfriamento da temperatura da água no Oceano Pacífico e aumenta as chuvas na Amazônia.
Em recente declaração, a ministra Marina Silva assustou com a possibilidade do extermínio do Pantanal, outra região que enfrenta secas. O pesquisador Carlos Nobre comenta e faz previsões mais pessimistas ainda em outros biomas como as savanas tropicais se expandirem para onde está o Cerrado, o Cerrado virar caatinga, a caatinga virar um semideserto e a Amazônia virar um ecossistema de céu aberto com poucas árvores.
Segundo o pesquisador da USP, foram registradas quatro secas nas últimas duas décadas, enquanto normalmente ocorre apenas uma seca no mesmo período de tempo. Se o aquecimento global passar de 2°, há um risco de atingir o “ponto do não retorno”, ou seja, de reversão do quadro, e se isso ocorrer é bem possível perder até 60% da Amazônia com a liberação de 250 a 300 bilhões de gás carbônico na atmosfera.
A Amazônia passa por uma sucessiva redução do desmatamento, que já chega a 20% ao ano, mas os esforços ainda são insuficientes. O coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável, Paulo Artaxo, alertou que qualquer queimada e desmatamento na região é uma ação criminosa, porque a floresta é úmida e não tem incêndios naturais.
Amazônia Internacional
Levantamento do Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP) mostra que a Amazônia Internacional perdeu 3,8 milhões de hectares de floresta em 2023, 65% deles apenas no Brasil – foi o ano mais devastador das últimas duas décadas. A perda foi equivalente a 190 vezes o tamanho da cidade de Buenos Aires. Países como Bolívia, Colômbia, Equador e Peru também perderam parte da sua mata virgem.
A Amazônia Internacional corresponde a uma área ao norte da América do Sul, que abrange nove países: Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Apesar dessa imensa área, aproximadamente 60% da Amazônia fica em território brasileiro.
O ano de 2024 é, até agora, o de maior emissão de gases estufa por culpa dos incêndios florestais no Brasil desde 2005. Os dados são do observatório espacial europeu Copernicus. O acúmulo desses gases na atmosfera é um dos principais motores do aquecimento global e, no Brasil, as queimadas estão entre as maiores fontes de emissões, ao lado do desmatamento.
Carlos Nobre explica que, dos nove países que compõem a Amazônia Internacional, apenas três estão preservados: Guiana Francesa, Guiana, Suriname e parte da Venezuela. Os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelaram que, em setembro, a fumaça das queimadas na Amazônia atingia também a Bolívia.
Previsão assustadora
O Acordo de Paris foi assinado por 196 países com o objetivo de conter o aumento do aquecimento global, não podendo passar de 1,5° em 2021. Para isso, seria necessária a redução de 50% nas emissões globais, aí a meta seria alcançada, mas não é o que está acontecendo. Pesquisadores se debruçam em cima de gráficos, livros e pesquisas para entender o que aconteceu em um prazo tão curto de tempo. A previsão para o futuro do mundo é assustadora, caso nada seja feito.
A COP 30 deve ser uma das mais importantes de todas as edições, a fim de que todos os países foquem na aceleração para conter o aquecimento global do planeta. O Brasil pode estar até 2035 com 1 milhão de quilômetros quadrados de todos os biomas restaurados e recuperados, e não só a Amazônia, mas também Pantanal, Cerrado e Pampas. Essa é a meta da COP 30.
Segundo o MAAP (Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina), a área desmatada durante 2020 no Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela é 17% maior que a relatada no ano anterior e equivalente à área do Estado de Sergipe. “A partir das imagens de satélite observadas, as áreas devastadas no Brasil, concentradas no sul do território amazônico, foram primeiro desmatadas e depois queimadas, causando grandes incêndios, principalmente devido a uma prática aparentemente ligada à expansão da pecuária extensiva na região”, avalia Carlos Nobre.
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