Em vista da revisão recente do Plano Diretor Estratégico, boa parte de São Paulo tem olhado para cima, questionando o aumento da verticalização em torno dos eixos de transporte da cidade. Entretanto, uma parcela dos paulistanos tem prestado atenção no que acontece ao nível da rua, mais especificamente, nas “cozinhas-fantasma” espalhadas pela capital.
As chamadas dark kitchens são cozinhas industriais que operam exclusivamente para delivery e não têm espaço para o consumo de alimentos no local. Após a pandemia, o setor de entrega de alimentos por meio de aplicativos, como Rappi e iFood, impulsionou um novo modelo de restaurante, evidenciando uma tendência de crescimento econômico.
Recentemente, um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com participação da USP, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboração de universidades na Inglaterra e na Polônia, comprovou que aproximadamente um terço dos restaurantes listados no iFood, o aplicativo de entrega de comida mais utilizado no Brasil, são dark kitchens. De acordo com Diogo Thimoteo da Cunha, professor da Unicamp e um dos responsáveis pelo estudo, as cozinhas pesquisadas não têm espaço para consumo e estão localizadas em áreas periféricas.
O professor explica que o estudo foi realizado através de um rastreamento das cozinhas no aplicativo, extraindo informações do site da plataforma. Foram analisados mais de 20 mil restaurantes nas cidades de Limeira, Campinas e São Paulo, “com foco nos mil primeiros da lista, que eram os mais populares e apareciam no topo. Checamos os endereços e utilizamos o aplicativo de mapas do Google. Se houvesse uma fachada de restaurante, classificamos como investigação A; se não houvesse fachada, era a investigação B”, esclarece.
A pesquisa envolveu investigar se o estabelecimento estava aberto, se existia e se atendia clientes no local. Caso possuísse essas características, era classificado como um restaurante convencional. Porém, se não apresentasse uma fachada que indicasse um restaurante, recorremos às redes sociais e contatamos o estabelecimento por telefone, perguntando se atendiam no local. “Em alguns casos, até realizamos visitas presenciais para confirmar se era uma dark kitchen ou não”, conta.
A nutricionista Laís Mariano Zanin, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, colaborou na classificação das dark kitchens identificadas no estudo. Segundo ela, existem seis classificações dessas cozinhas-fantasma: independente, hub, franquia, cozinha virtual em um restaurante padrão, cozinha virtual em um restaurante padrão com um nome diferente e cozinhas residenciais.
Os pesquisadores também levantaram preocupações sobre as condições higiênico-sanitárias das dark kitchens e a percepção dos consumidores em relação aos riscos associados aos alimentos. Sobre as cozinhas domésticas, a nutricionista destaca que uma das principais preocupações envolvia “compreender as condições em que esse espaço está sendo compartilhado para a produção de refeições familiares. É importante considerar se há um horário reservado para essa atividade, a presença de animais na casa, como cachorros e gatos, e como esses animais interagem nessa cozinha”.
Novos licenciamentos suspensos
O avanço das dark kitchens em São Paulo tem gerado impactos imprevistos. Neste ano, foi aprovada uma nova lei municipal para regular a atuação dessas cozinhas-fantasma na cidade. A legislação impõe requisitos, como a altura mínima das coifas de exaustão em relação a prédios vizinhos, o que dificulta a presença delas em áreas residenciais. No entanto, é permitida uma “solução alternativa” comprovada por laudos técnicos. Essa nova legislação busca limitar a expansão das dark kitchens em áreas residenciais e define diretrizes para a operação desses estabelecimentos.
Não por acaso, na última semana de junho, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo aprovou um decreto para suspender processos e paralisar obras de estabelecimentos de dark kitchens.
O pesquisador reforça que essas cozinhas possuem características diferentes dos restaurantes convencionais e isso gera questionamentos: “Essas dark kitchens estão localizadas em centros residenciais, que são menos centrais. E qual é a razão para isso? É porque elas se beneficiam de aluguéis mais baratos e, portanto, acabam se instalando em regiões periféricas, evitando áreas com aluguéis mais altos, que geralmente são locais movimentados”, racionaliza. De acordo com ele, ao se aproveitarem dessa oportunidade, as cozinhas podem se estabelecer em outras regiões, o que pode gerar conflitos, principalmente na cidade de São Paulo. “As dark kitchens causam ruídos, fumaça e sujeira em residências muito próximas a prédios”, enumera
Os pesquisadores planejam realizar estudos adicionais para compreender o funcionamento e a percepção dos produtores das dark kitchens, bem como investigar questões sanitárias e propor melhorias para o setor.
Por fim, o professor enfatiza a importância de garantir acesso à informação ao consumidor: “Nossa ideia não é demonizar o setor, pelo contrário, estamos buscando informações para identificar as áreas em que precisamos investir como pesquisadores, bem como onde a vigilância e as políticas públicas devem ser direcionadas”. Na opinião do especialista, “é fundamental garantir o acesso do consumidor às informações para que ele saiba exatamente o que está pedindo e consumindo. Esse é um dos principais objetivos, o consumidor deve ter pleno conhecimento sobre o que está solicitando e consumindo”.
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