Qual a importância da ciência para o desenvolvimento de um país?

Ernane Xavier da Costa é prof. livre docente da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP-Pirassununga

 21/09/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 22/11/2018 às 10:22

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita. E é bonita…

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Emprestando este verso da canção de Gonzaguinha, sintetizo tudo que penso sobre como a ciência é importante para um país… mas o que penso é só o que penso e, no meu pensamento, a poesia se mistura com argumentos, e a emoção com a esperança, pois são esses complexos sentimentos que batem à porta de quem passou a vida toda “nesta luta do rochedo contra o mar…”  atrás das migalhas jogadas àqueles que constroem o pensamento científico deste país.  Uma coisa, porém, é certa. A vida é injusta por natureza. A gestão econômica e suas consequências especiais não oferecem a igualdade nas condições de negociação, pois esse princípio de igualdade metafísico não existe na realidade. Portanto, os argumentos dos pretensos cientistas, de que, perdas a curto prazo inexoravelmente se transformam em perdas a longo prazo não têm convencido nossos gestores quando o assunto é política científica.

Então, caríssimos, o ponto não é a ciência… pois sendo só a ciência, a resposta é óbvia. A perturbação do sistema é, na verdade, a política científica e, por conta disso, modifico a pergunta cuja resposta não cabe no poema. Qual a importância da política cientifica para um país? No Brasil, em setembro de 2018, essa pergunta ainda é equivalente à que fez Max Weber dois séculos atrás: “quais são as perspectivas de alguém que, tendo concluído seus estudos superiores, decida dedicar-se profissionalmente à ciência, no âmbito da vida universitária?” Ora, responder esta pergunta significa aceitar alguns pressupostos.

O primeiro é que enquanto conjunto de equipamentos, laboratórios, prédios, agências de fomento e o sistema burocrático, a política científica não se dá a conhecer como tal; ela só se aproxima de sua autêntica ideia à medida que o espírito da gestão proativa se fortalece por meio do diálogo permanente em busca de uma visão coesa das necessidades do país, visão que continuadamente deve ser revista em face das reiteradas descobertas científicas. Um outro pressuposto é que a política científica se delineia como tal na interação que se estabelece entre dois interlocutores privilegiados dessa busca da totalidade, a ciência e a sociedade.

Aquela, ciosa de seu encargo, receptiva às demandas desta, porém criteriosa em sua busca por soluções, cuidando para que elas não venham marcadas por confessionalismos; a outra, sempre animada pelas necessidades do dia a dia, que corresponde às exigências de sua natureza já que é formada por humanos.   Esses dois pressupostos, apesar de inocentes, interessam para se estabelecer uma resposta à questão da importância da política científica para um país. Meu argumento é que esses pressupostos são importantes para que as experiências escondidas nas instituições de ciência do país sejam descobertas. As grandes instituições costumam ser a expressão de grandes experiências, de experiências que estão como que vazadas nessas mesmas instituições e, consequentemente, por estarem um tanto escondidas nelas.  Por sua vez, os gestores da política científica do país não lançam mão dessa experiência mesmo, não só porque estão escondidas e não podem ser apanhadas facilmente, e, claro, porque também não estão conscientes de que essas experiências realmente existam.
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O ponto não é a ciência… pois sendo só a ciência, a resposta é óbvia. A perturbação do sistema é na verdade a política científica e, por conta disso, modifico a pergunta cuja resposta não cabe no poema. Qual a importância da política cientifica para um país?

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Parte das experiências de alguns centros de pesquisa do país estão escondidas em volumosas bases de dados de empresas estrangeiras, algumas criaram até índices de performance para se tornarem competitivas no mercado brasileiro, índices estes que têm sido usados inclusive como métrica para avaliar cientistas. Ora, o gestor que se reporta à sociedade usa tal experiência para formular suas ações de políticas científicas? Não!  A experiência existe e está mal utilizada. Tanto que não me recordo de nada que relacione geração de emprego para quem quer seguir a vida acadêmica nas universidades ou em pesquisa e inovação em empresas, com o conhecimento acumulado em banco de dados de empresas estrangeiras (como a canadense Thomson Reuters, detentora do índice JCR).  Mas esse é só um aspecto perverso da relação. Existem outros.

A importância da política científica para um país está, a meu ver, relacionada com o desenvolvimento econômico de forma mais que direta. Vejam bem, no passado o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza dependiam de fatores domésticos, como por exemplo, da propensão dos habitantes de uma certa região a economizar. Mas isso mudou e os nossos gestores da política científica parecem não entender que a economia mundial depende fortemente do conhecimento e este, por sua vez, move-se para além das fronteiras espaciais ficando à mercê inclusive de influências externas.  E, nesse ponto, não gerar emprego para cientistas implica na geração de pobreza. E o futuro da pobreza, meus queridos, não poderá ser compreendida até que os gestores da política científica deste país levem em conta as implicações desse fato.

Olhem para o que aconteceu na Coreia do Sul.  Lá, a política científica exigiu investimentos de curto prazo que geraram uma reação em cadeia que, a longo prazo (falo de 20 anos apenas), ajudou a população a ultrapassar a linha da pobreza.  Os gestores do espaço do lado de lá vislumbraram um sistema de riqueza baseado em conhecimento. Essa visão evoca a imagem de uma política científica onipresente em todas as necessidades sociais de interesse público e (principalmente) privado capaz de gerar mudanças necessárias para um crescimento econômico real.

É por isso que no Brasil o agro não é pop. Nem a indústria é pop nem a produção científica é pop. Hoje, perguntei para a faxineira que limpa meu laboratório (LAFAC) se ela podia me dizer o que entende de o “agro é pop” e a sua resposta foi algo que me fez perceber o quanto é nojenta nossa realidade científica. Mulheres negras faxineiras ganhando salário mínimo limpando laboratórios com alta tecnologia, laboratórios estes incapazes de melhorar a vida da comunidade local, mas publicando em revistas com alto “JCR” canadense.  Claro, comecei dizendo que nós cientistas somos tratados com migalhas e acabo este texto dizendo que tal fato implica em sobrar também apenas migalhas para a população.

A resposta: “Um menino caminha e caminhando chega no muro e ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está…” Obrigado pelo verso Toquinho e Vinicius…

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