Ciência e tecnologia para o desenvolvimento de um país

Sylvio Ferraz Mello é físico, professor emérito e ex-diretor do Instituto de Astronomia,Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP

 01/10/2018 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 22/11/2018 as 10:22

Foto: Léo Ramos via Pesquisa/FAPESP

Contam que Michael Faraday, grande experimentalista do século XIX, descobridor da indução eletromagnética, princípio em que se baseiam os transformadores e geradores elétricos, recebeu em seu laboratório a visita da rainha Victória. Depois de acompanhar várias demonstrações dos fenômenos descobertos por Faraday, a rainha lhe perguntou se aquelas descobertas tinham alguma utilidade. Faraday teria respondido ‘Ainda não sei. Mas dia virá em que Vossa Majestade cobrará impostos sobre elas’. Essa pequena história, e suas várias versões, é um dos mais populares fake news sobre o desenvolvimento da ciência no século XIX. Mas como diz um célebre ditado italiano, “si non è vero, è bene trovato”.

A história das aplicações da ciência básica desde a Antiguidade é repleta de descobertas feitas por cientistas movidos apenas pela sua curiosidade, que mudaram a história da humanidade. Para ilustrar com exemplos atuais, é só lembrar que sem a abstrata e quase onírica teoria da relatividade de Einstein, o GPS, que hoje guia os passos de uma fração importante da humanidade, não poderia existir. E a grande maioria dos produtos eletrônicos só existem graças aos conhecimentos da Física Atômica e das teorias quânticas do século XX.

Para dar exemplos domésticos, podemos lembrar que a riqueza criada pela EMBRAER e desfrutada pela nação brasileira já superou, e de muito, tudo o que foi gasto pelo Brasil para criar e manter o Instituto Tecnológico de Aeronáutica. E se o ITA não tivesse existido, também não teria existido a EMBRAER.
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De repente, alguns iluminados passaram a fazer campanha contra as vacinas, utilizando à larga os meios modernos de comunicação.

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A muitos pode parecer ridículo insistir em exemplos mostrando como a ciência pervade e molda a sociedade contemporânea. Afinal, 2,5 bilhões de pessoas na Terra passam horas por dia em seus smartphones! Mas a questão colocada é atual. Um grande número de pessoas movidas por doutrinas extravagantes insiste em questionar a importância da ciência. E não me refiro aos cidadãos mais simples. Esses,  em sua grande maioria, sabem que, quando precisarem, as novas tecnologias a serviço da medicina irão beneficiá-los e lhes permitirão viver bem por muito mais tempo do que seus antepassados.

Eles também sabem que, se for preciso, poderão um dia ter algum de seus órgãos substituído por órgãos artificiais produzidos com os novos materiais descobertos pela ciência, às vezes melhores que os órgãos originais de nascença. Os questionamentos mais importantes vêm de “intelectuais”. São oposições incompreensíveis. Em algumas esferas intelectualizadas, às vezes parece que a coisa mais importante é ser diferente dos outros. Não existe nenhum mal em se adotarem dietas exóticas. Há mesmo cientistas que se dedicam a aperfeiçoá-las. Mas dietas exóticas não resolvem o problema de alimentar 7,5 bilhões de pessoas.

Para alimentar a humanidade, são necessárias tecnologias modernas que permitam a produção de alimentos em grandes quantidades. Cabe decidir o que é mais importante: alimentar o maior número possível de pessoas ou seguir as regras estritas preconizadas por uma casta intelectualizada. É papel da ciência fornecer meios para que a produção de alimentos possa aumentar, para que os alimentos produzidos sejam da melhor qualidade, e que os modos de produção sejam menos agressivos à natureza.

Essa é a meta, mas enquanto isso é preciso ter em mente que os 7,5 bilhões de humanos precisam comer todos os dias e que é preciso produzir os alimentos de que necessitam. E de maneira abundante, porque as regiões mais pobres são dominadas por políticos e vão continuar com fome mesmo que os alimentos existam. Cabe à ciência aprimorar ainda mais as tecnologias de produção para que a fome possa ser erradicada.

A atualidade da questão colocada neste artigo pode ser sentida na atual crise das vacinas. De repente, alguns iluminados passaram a fazer campanha contra as vacinas, utilizando à larga os meios modernos de comunicação. Uma campanha que foi silenciosa, mas bem sucedida. O resultado foi o que se viu. Doenças já largamente erradicadas, como o sarampo, voltaram a matar pessoas! E o fantasma do retorno da poliomielite atemoriza os profissionais da saúde. Em ambos os casos a medicina dispõe de vacinas modernas e de comprovada eficiência e as mortes verificadas ocorrem por culpa daqueles que irresponsavelmente difundem inverdades para a população.

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