

Lamentavelmente, o caso comentado dista de ser pouco frequente. Segundo dados aportados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, estima-se que a cada hora, um total de quatro meninas brasileiras, menores de 13 anos, são vítimas de estupro. Embora a criança tenha direito à realização de um aborto legal, aceder a esta prática pode resultar difícil e angustiante.
Para se ter uma ideia, em um país de 212,6 milhões de habitantes, apenas 76 hospitais declararam realizá-lo legalmente. Número este que se reduziu a 45%, durante a pandemia. O Comitê de Direitos Econômico, Social e Cultural das Nações Unidas estabelece que a falta de serviços de atenção obstétrica de emergência ou a denegação do aborto pode constituir um ato de “tortura ou trato cruel, inumano e degradante”.
De acordo com o artigo 128 do Código Penal e com a ADPF 548, a mulher tem direito ao aborto nas seguintes circunstâncias: se a gravidez é resultado de estupro, se representa risco de vida para a mãe e se for caso de anencefalia fetal, ou seja, quando não existe desenvolvimento cerebral do feto.
Sem lugar a dúvidas, o Brasil precisa adotar medidas mais contundentes para facilitar que pessoas contempladas nas categorias mencionadas, nas quais o aborto é justificado e permitido, possam aceder a ele de maneira expedita, confiante e segura. Não se deve esquecer que a gravidez decorrente do estupro destaca-se pela complexidade e impactos que determina nas esferas emocional, familiar, social e biológica. A gestação forçada e indesejada é sentida como uma segunda violência, intolerável e, muitas vezes, impossível de ser mantida até seu término. Sem garantia de acesso a serviços que realizem o aborto licitamente e com direitos respeitados, só existem dois caminhos: prolongar um acontecimento aberrante acompanhado de efeitos psicológicos intensos e devastadores ou, na sua ausência, interromper a gestação recorrendo ao abortamento inseguro, com graves danos para a saúde e risco de vida da gestante. A falta de compromisso relacionada com atenção da saúde sexual e reprodutiva hoje evidenciada, devido a políticas ou práticas ideológicas peculiares, assim como a negativa a proporcionar soluções baseadas no propalado “comportamento humano responsável”, revelam as dificuldades que inúmeras mulheres, independentemente de sua idade, afrontam para realizar um aborto legal em nosso país.