Muito tem sido escrito e falado sobre a reforma da Previdência como solução de todos os males que assolam a economia brasileira. O projeto enviado também parece se revestir com a aura de única via, quando, à luz dos modelos de processo decisório, a boa prática na solução de problemas recomenda examinar mais de uma alternativa nos casos estratégicos e de grande impacto. Se imaginarmos a sociedade e seus representantes no Congresso Nacional como instância de decisão no sistema de governança do País, assim como o Conselho de Administração de uma empresa, algumas alternativas de reforma deveriam ser apresentadas e discutidas antes de uma proposta específica.
A cultura participativa, entretanto, ainda está em fase embrionária na nossa sociedade de bases autoritárias, e esse, talvez, seja um dos motivos para se ver presidentes, ministros e determinadas reformas como salvadoras da pátria. Um exame racional, todavia, indica que ainda sendo pertinente a necessidade de tratar do déficit previdenciário, destino voraz de grande parte dos recursos do Estado, não há razões que assegurem ser esta medida suficiente, por si só, na alavancagem do crescimento econômico que o país de renda média e desigual tanto necessita. Já tivemos cenários em que o déficit estava controlado, mas o espírito animal do empresariado não despertou.
Um espectro de Epimeteu ronda nosso capitalismo. Na mitologia grega aquela criatura, irmão de Prometeu, é expressão do comportamento de quem conhece depois, de quem compreende tarde demais. As ondas tecnológicas vão se sucedendo no mundo moderno e pós-moderno, porém não conseguimos efetivá-las nas bases técnicas da economia brasileira.
Um espírito letárgico e epimeteico nos assola. Não só o investimento do Estado, mas também o investimento privado sofre de grande inércia e de reduzida qualidade, processo no qual, salvo honrosas exceções, a produtividade pouco avança e, quando o fez no passado, taxas maiores foram alcançadas por conta do deslocamento de mão de obra das atividades de subsistência da economia agrária em direção aos setores mais organizados que se industrializavam. A indústria de transformação cujo setor já representou a marca próxima de 22% na participação do PIB brasileiro, hoje amarga pífios 11,4%. O investimento na economia nacional, cuja taxa atingiu pouco mais de 20% em 2010, e que os economistas almejam chegar e manter no patamar de 25%, apresenta um dos mais baixos índices da série histórica com 15,8% do PIB em 2018.
Precisamos de um Prometeu, que roube o fogo e instrumentalize o capitalismo nacional com técnicas de gestão voltadas à produtividade. Sob inspiração mitológica na análise comportamental e com a licença poética de uma teogonia na economia brasileira, nosso Zeus econômico se identifica com rentistas, oligopólios e corporativistas, todos unidos na divindade que confina o homem ao espírito de Epimeteu. Quem será Prometeu a nos salvar? Talvez não haja quem queira ser acorrentado e dar o fígado em prol da sociedade. Nosso caso parece exigir que os próprios mortais terão a tarefa de aprender que a chama pode ser alcançada com seus próprios meios via ensino, divulgação e prática do empreendedorismo, como vem fazendo a USP nos últimos tempos.
Com a colaboração da comunidade universitária, o empreendedorismo precisa alcançar as políticas públicas na promoção de um comportamento voltado para a produtividade global com base na inovação. Não apenas através de movimentos como da indústria 4.0, cabível onde for viável, mas também a social, a frugal, das startups, a amigável com nosso contexto, através de tecnologia apropriada aos nossos problemas e realidade. Uma aplicação da gestão do empreendedorismo que identifica o problema reconhece suas nuances e busca alternativas.
Por outro lado, esse processo de formação prometeica, disseminando o empreendedorismo com bases na produtividade, prescinde de uma atuação nas políticas públicas que incorpore aos modelos econômicos tradicionais ações voltadas para o estímulo de comportamentos, sugerido pelas recentes descobertas e aplicações da economia comportamental. Em auxílio aos chicago boys e, também, em atenção a nossa saúde, lembremos de Daniel Kahneman, psicólogo, Nobel de Economia em 2002, colega e inspirador de Richard Thaler, outro Nobel em 2017, professor de economia comportamental naquela Universidade de Chicago. Estando por lá, basta pegar o elevador. Ambos têm influenciado políticas públicas na Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, Polônia e Banco Mundial. Nos EUA, até o final do governo Obama, um escritório de pesquisadores da economia comportamental colaborou no desenho de políticas que auxiliaram os cidadãos em escolhas mais racionais para o indivíduo e sociedade.
Provavelmente não é uma sugestão que agrade a maioria dos economistas, principalmente nas questões macroeconômicas, parte da ciência econômica que trata da agregação, do comportamento das populações em relação aos grandes números. Todavia os últimos eventos na história do crescimento econômico no País servem como grandes experimentos a demonstrar a inércia do investimento com os modelos tradicionais. Desde o movimento estatizante no regime militar dos anos 70 em substituição ao empreendedor ausente, até a mais recente tentativa de governos passados em ofertar capital barato pelo BNDES, isenções e até tarifa de energia elétrica subsidiada, não houve o despertar do espírito animal no empresariado, ao contrário, erodiu o erário.
A economia comportamental pretende somar-se à teoria econômica tradicional, descritiva e normativa, ao auxiliar na compreensão do comportamento real de agentes econômicos. Por outro lado, a histórica concentração de riqueza e de capitais no Brasil levanta a hipótese de termos uma peculiaridade em comportamentos empresariais diferentes de uma economia mais concorrencial.
Thaler define sua missão na economia comportamental como sendo a de construir modelos econômicos descritivos que retratem acuradamente o comportamento humano. No Brasil, poderíamos estender para a necessidade de compreender o comportamento real do empresariado e empreendedores quanto aos investimentos e busca do aumento da produtividade.
Os economistas comportamentais têm realizado experimentos na construção de estruturas que estimulem os agentes na escolha de certas alternativas, conhecidas pelo termo nudge. Os trabalhos de Kahneman, Thaler e Cass Sunstein influenciaram a adoção dos conceitos de aversão ao risco e inércia do comportamento no desenho de políticas públicas recentes. Empresas de previdência privada nos EUA e o governo do Reino Unido desenvolveram estruturas decisórias que estimularam e aumentaram a escolha individual de planos de poupança mais efetivos e seguros para aposentadoria. A teoria padrão de poupança estabelecida por Milton Friedman não conseguiu os mesmos resultados.
O Banco Mundial dedicou seu Relatório Anual sobre Desenvolvimento em 2015 ao tema da economia comportamental e políticas públicas com o título Mind, Society, and Behavior. Diversos aspectos comportamentais ligados ao desenvolvimento dos países emergentes são ali tratados, não só do crescimento econômico, mas o fomento à produtividade e à qualidade das decisões dos empreendedores nos chama atenção em um dos capítulos. Em termos práticos é discutida a influência que a disponibilidade, facilidade de aquisição e acesso aos meios ou instrumentos exerceu na adoção de práticas mais produtivas. Agricultores no Quênia, por exemplo, melhoraram a efetividade do investimento com mais produtividade através da mudança na janela temporal de compra dos fertilizantes e entrega gratuita aos usuários. O impacto foi calculado como sendo equivalente a oferecer um subsídio de 50 por cento no momento da aplicação de fertilizantes, sem a garantia de resultado efetivo na aplicação, cujo estímulo comportamental propiciou.
Ao que parece, nossas experiências com a economia padrão também não têm ajudado no despertar de comportamentos mais produtivos de empresários, investidores e empreendedores. Investigar e considerar arquiteturas de escolha com estímulo à produtividade e alavancar o crescimento econômico tornam-se alternativa concreta, antes que um Dr. Bacamarte saia das páginas do conto de Machado e passe a trancafiar no manicômio os poucos de comportamento prometeico que ainda resistem.