
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma da Previdência, entregue ao Congresso, poderá limitar a judicialização da saúde. Um dos dispositivos do texto deve reduzir a distribuição de medicamentos que não são previstos no Sistema Único de Saúde (SUS) e têm sido obtidos por decisão judicial. A proposta elaborada pela equipe econômica altera trecho da Constituição que dispõe sobre o orçamento da Seguridade Social, que abrange, além da Previdência, a Saúde e a Assistência Social. Segundo a proposta de alteração, “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total”. Como as decisões judiciais têm obrigado o governo a realizar mais gastos sem prever uma nova fonte de renda, o novo trecho poderia ter efeito sobre esse tipo de sentença. De acordo com o jornal, o Ministério da Saúde informou que em 2018, por exemplo, o governo federal gastou R$ 1,4 bilhão com medicamentos e tratamentos por determinação da Justiça.
“A redação do dispositivo tem um alcance muito maior que a Previdência. O sistema previdenciário já é um tema complexo por si e não pode abrigar outras pautas que não têm nada a ver, como a judicialização da saúde ou a aposentadoria compulsória,”, declarou a professora Maria Paula Dallari Bucci, do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito (FD), ao Jornal da USP no Ar. A jurista classifica o trecho como um dos jabutis, penduricalhos na emenda constitucional. A Comissão de Constituição e Justiça derrubou alguns deles, como a diminuição da idade para inatividade obrigatória, mas o tópico do custeio de medicamentos passou. A Proposta de Emenda Constitucional agora será submetida à Comissão Especial, que pode retirar essa intervenção do texto.
A professora alega que, “embora a judicialização da saúde seja um problema grave e de grandes proporções no Brasil, uma intervenção constitucional não o resolveria. Criaria outro mecanismo, com o potencial de ofender a inafastabilidade do controle judicial, garantia do artigo 5º da Constituição, responsável por impedir a vedação do Poder Judiciário de examinar ou controlar qualquer área sob juízo, indicando uma linha autoritária muito perigosa”. Esse direito encontra razão de ser na Carta Magna, a origem do Estado liberal, segundo a jurista.
“O Ministério da Saúde caminha na direção certa, ao fortalecer a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), encarregada de orientar e organizar todos os poderes do Brasil quanto ao custeio de remédios e tratamentos”, aponta. Uma sinergia que, parte do Poder Executivo, entre órgãos federais, secretarias municipais, estaduais e a justiça é a melhor maneira de não levar casos desnecessários aos tribunais, defende Maria Paula.
O Estado faz periodicamente a racionalização da Previdência, assim cortando pensões inadequadas aos critérios estabelecidos. “Nos cursos de pós-graduação da Faculdade de Direito, nos quais temos juízes, promotores e advogados, vemos casos de corte, apoiados nominalmente na direção do Executivo, que geram injustiças, sobretudo com os mais pobres. Aquele auxílio pode ser a única fonte de renda daquela pessoa. Então, nem toda busca do Judiciário é um excesso”, esclarece a docente. Fora que a Rename é constantemente revisada, com acréscimos de medicamentos para doenças raras, como a droga para atrofia muscular espinhal, recentemente adicionada. Por outro lado, ela conta que falta conhecimento dos magistrados acerca da Rename.
A professora ressalta a importância do debate público sobre o dispositivo, uma forma legítima de pressão para impedir arbitrariedades. O livro Judicialização da Saúde – A Visão do Poder Executivo, organizado pelas professoras Maria Paula e Clarice Seixas Duarte, a partir de dois anos de pesquisa do Grupo de Estudos Direitos Sociais e Políticas Públicas, esmiúça o tema com riqueza de detalhes.