O comportamento e a formação de hábitos: a batalha entre o que é bom fazer e o que é bom de se fazer

Por Hamilton Roschel, coordenador do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da USP

 06/03/2024 - Publicado há 5 meses

Foi com imenso prazer que recebi o convite para compor o quadro de articulistas do Jornal da USP. Terei como objetivo discutir com o leitor como o estilo de vida influencia nossa saúde e bem-estar.

Embora honrosa, essa não será uma missão simples.

Vivemos numa época em que tamanha é a oferta de informações sobre saúde, beleza e bem-estar que não é incomum nos sentirmos confusos, ou até mesmo culpados por não fazer o “politicamente correto” em prol da nossa saúde. De fato, dicas de “especialistas” sobre as melhores dietas, programas de exercício ou intervenções miraculosas abundam em todos os tipos de mídia, inflando esses sentimentos em boa parte das pessoas.

Em contraste à velocidade quase inimaginável de propagação de informações duvidosas sobre saúde, destaca-se a falta de suporte científico que embase a maioria delas. Separar o joio do trigo, com o devido rigor científico, tem sido minha missão nesta Universidade, e é um pouco do que aprendi nesses quase 15 anos de experiência na área que pretendo compartilhar com vocês em nossos encontros.

Arrisco dizer que boa parte da população aceita a ideia de que uma boa alimentação, exercícios regulares e sono de boa qualidade constituem pilares importantes – embora não sejam os únicos – para uma boa saúde. Apesar disso, mudanças no estilo de vida não são fáceis de ser operacionalizadas, já que, por definição, devem ser perenes, o que demanda implementação de rotinas até que hábitos sejam formados.

Embora possam ser facilmente confundidos, já que guardam mais similaridade do que diferenças, hábitos e rotinas não são sinônimos quando o assunto é estilo de vida. Enquanto rotinas são seguidas, hábitos formados. Além disso, hábitos são associados a “gatilhos”, ao passo que rotinas não o são. Por exemplo, lavar as mãos após usar o banheiro é um hábito, pois está associado ao uso do banheiro. Enquanto a rotina não depende de “gatilhos”, a ausência destes pode resultar na perda de hábitos.

Mas quanto tempo leva para um adulto criar um hábito relacionado à saúde? Em um estudo do Reino Unido, participantes deveriam escolher um comportamento simples ligado à pratica de exercícios ou alimentação que não fazia parte de suas vidas, e então transformá-lo em um hábito. Gatilhos para o comportamento escolhido foram providos uma vez por dia. Por exemplo, para um indivíduo que escolhesse a incorporação de hábitos relacionados à prática de exercícios, o gatilho seria caminhar 15 minutos após o café da manhã. Em média, 66 dias foram necessários até que os hábitos simples se tornassem automáticos para os participantes, o que sugere que a consolidação de hábitos mais complexos possa levar ainda mais tempo.

Embora existam múltiplas estratégias para auxiliar no estabelecimento de uma rotina, a estruturação do seu dia, diminuindo o número de escolhas a serem feitas de improviso, pode ser interessante. Pré-preparar suas refeições, olhar o cardápio do restaurante antecipadamente e fazer escolhas mais saudáveis antes de sentar-se à mesa, agendar uma aula de ginástica ou uma sessão de exercícios com um amigo são alguns exemplos.

Outro achado interessante do estudo é que a aderência diária (ou a falta ocasional desta) não influenciou o tempo para formação do hábito, sugerindo que esse não é um processo dicotômico e que a aderência perfeita à rotina – frequentemente cobrada por influencers e coaches nas redes sociais – não precisa, necessariamente, ser um objetivo ou a expectativa do paciente. De fato, cobrar muitas alterações no dia a dia tornam a aderência a determinado hábito mais difícil, aumentando sua probabilidade de abandono.

A ciência dá suporte à ideia de que mudanças radicais e muito rápidas não são o melhor caminho, e que extremismos não são eficazes na mudança de comportamentos. Precisamos, então, achar uma melhor medida entre o que é bom fazer e o que é bom de se fazer.

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