Nos últimos dias, Elon Musk, o magnata por trás de empresas como o X (ex-Twitter), Tesla e SpaceX, causou polêmica ao criticar publicamente a justiça brasileira em sua rede social. Em uma mensagem escrita na rede social X, Musk acusou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de impor censura no Brasil por meio de decisões de bloqueio de diferentes perfis nas redes sociais sem aparente justificativa. Em resposta, Moraes determinou que a conduta de Musk seja investigada em inquérito, incluindo-o entre os investigados no já existente das milícias digitais.
Os comentários que surgiram após as declarações de Elon Musk demonstraram a limitação de nossos debates diante de ataques direcionados, mesmo que virtuais, ao exercício da nossa soberania. Houve quem depositasse suas “esperanças” em um suposto heroísmo do STF diante da investida de um magnata contra a instituição. Enquanto isso, outros apoiaram abertamente as críticas de Musk, vislumbrando nelas uma chance de promover instabilidade e até mesmo estimular extremismos internos, em meio à crescente influência política da extrema direita no mundo.
A controvérsia em torno das declarações de Musk não é isolada; ela se soma a outros episódios que lançaram luz sobre os interesses do empresário no cone sul, especialmente no que diz respeito às reservas de lítio, essenciais para a indústria de veículos elétricos. Sua visita ao Brasil em 2022, documentada por nós, no Jornal da USP, A nebulosa visita do empresário Elon Musk e o lítio brasileiro, revelou seu interesse em investir na mineração do lítio visando manter o controle da cadeia de suprimentos. Demonstramos que, caso ele decidisse realizar essa investida no Brasil, sequer teríamos uma estratégia para negociar economicamente, politicamente e socioambientalmente recursos favoráveis à realidade brasileira.
Outro episódio, envolvendo o bilionário, ocorreu em 2019, durante a deposição do então presidente boliviano Evo Morales. Musk fez um comentário no Twitter (“Vamos dar o golpe em quem quisermos. Lide com isso”) sugerindo interferência estrangeira, o que foi interpretado como uma ameaça explícita à soberania da Bolívia devido às suas vastas reservas de lítio.
Muitos especularam que as críticas recentes de Musk à justiça brasileira podem estar relacionadas aos interesses da Tesla em estabelecer uma fábrica no País, já que, neste momento, a empresa parece estar perdendo a corrida dos carros elétricos para suas concorrentes chinesas.
Contudo, essa competição no setor de veículos elétricos reflete uma disputa mais ampla pelo controle de recursos estratégicos, como é o caso do lítio latino-americano. Nesse contexto, cabe destacar a recente visita da chefe do Comando Sul do Exército dos Estados Unidos à Argentina, Laura Richardson, onde os interesses do complexo militar-industrial norte-americano no lítio ficaram bem patentes. Em vários momentos, ela destacou que os investimentos chineses em minerais críticos na América Latina, especialmente no Triângulo do Lítio (Argentina, Chile e Bolívia), representam um risco para a segurança internacional.
No caso brasileiro, embora o País possua reservas consideráveis de lítio, classificando-se em sétimo lugar dentre as reservas mundiais, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos de 2022, ainda está em posição inferior em comparação com seus vizinhos. No entanto, o País tem potencial para se tornar um hub de produção e distribuição de veículos elétricos na América Latina e, neste sentido, pode ser muito interessante para a Tesla.
Em todo caso, essa disputa por matérias-primas não pode ser limitada ao lítio. Como sabemos, os veículos elétricos dependem de muitos minerais estratégicos que têm mobilizado investimentos e projetos em muitos países e regiões. Em março de 2024, a União Europeia adotou o ato legislativo europeu sobre matérias-primas críticas como forma de melhorar suas cadeias de abastecimento. No ato, é mencionado um aumento exponencial na procura de elementos de terras raras nos próximos anos. Cabe lembrar que o Brasil possui a terceira reserva mundial de terras raras, o que nos coloca em destaque, enquanto a China é a maior detentora das reservas.
Neste episódio específico com o Brasil, Elon Musk, como bilionário midiático, parece enxergar a América Latina como um subcontinente composto de países fantoches. Dessa forma, ele se aproveita das fissuras políticas internas do País para promover seus interesses e negócios. No entanto, este comportamento empresarial, com nuances imperialistas, não é novidade, exceto pelo uso das redes sociais. Historicamente, os grandes negócios dentro do império operaram dessa maneira, muitas vezes com a conivência e apoio de grupos econômicos da periferia do sistema, seus sócios menores.
E embora eu prefira evitar novos conceitos que frequentemente funcionam apenas como adjetivação, não podemos ignorar que as redes digitais têm sido eficazes em tentar sobrepor-se aos Estados e suas leis, no que é chamado de “imperialismo digital”. Não é por acaso que os Estados Unidos aprovaram um projeto de lei que pode banir o TikTok de seu território, sob a justificativa de que o acesso aos dados de seus consumidores poderia colocar em risco a segurança nacional.
Diante desses acontecimentos, o Brasil tem a oportunidade de ver claramente questões sobre a fragilidade de sua soberania como país latino-americano, tanto no que diz respeito às suas matérias-primas quanto à influência das grandes corporações multinacionais em nossas políticas internas – temas normalmente ignorados.
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