Como pensar as políticas públicas e a inovação na Amazônia?

Por Claudia Souza Passador, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP

 21/09/2023 - Publicado há 1 ano

A Amazônia Brasileira é tida como uma das maiores reservas ecológicas e de biodiversidade do planeta, mas também é uma região com baixos níveis de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico. Possui um imenso patrimônio natural pouco conhecido e inadequadamente explorado, e a inovação tecnológica e social tem papel primordial na aceleração e aprofundamento do conhecimento desse patrimônio e na implementação de um novo modo de utilização.

Apesar de um certo avanço, o ecossistema de inovação tecnológica e social na Amazônia ainda enfrenta alguns desafios, como a necessidade de um o processo de inovação que internalize as especificidades da região; que reconheça a deficiência na formação de recursos humanos; que promova a cooperação internacional e intercâmbio de pesquisadores, além dos que já acontecem por iniciativas das universidades presentes no território.

Em uma análise panorâmica da Amazônia Legal, em 2023 encontramos 52 instituições, entendidas como as principais nos estados da Amazônia Legal, que atuam em CT&I. Os Estados, de acordo com sua particularidade, apresentam instituições com atuação específica em determinada área, porém, no geral, as instituições são semelhantes, com a presença de Universidades Federais, das Secretarias de Ciência e Tecnologia, das Fundações de Amparo à Pesquisa e de órgãos públicos, como a Embrapa.

Essas instituições podem ser divididas em quatro grandes grupos: os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), as Fundações de Amparo à pesquisa (FAPs) e por último os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia.

Entretanto, dos nove Estados da Amazônia Legal, três concentram os dez Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) existentes na região: o Estado do Amazonas, com os INCT Estudos das Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (Adapta) – Inpa; Energia, Ambiente e Biodiversidade (Ceab) – UEA; Madeiras da Amazônia – Inpa; Serviços Ambientais da Amazônia (Servamb) – Inpa; Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (Cenbam) – Inpa; o Estado do Pará, com os INCT Biodiversidade e Uso da Terra da Amazônia – MPEG; Energias Renováveis e Eficiência Energética da Amazônia – UFPA; Febres Hemorrágicas Virais (FHV) – IEC; Geociências da Amazônia (Geociam) – UFPA; e o Estado do Mato Grosso com o INCT Áreas Úmidas (Inau) na UFMT.

É importante destacar que a criação dos Fundos Setoriais representou o estabelecimento de um novo padrão de financiamento para o setor, sendo um mecanismo inovador de estímulo ao fortalecimento do sistema de CT&I nacional. Seu objetivo é garantir a estabilidade de recursos para a área e criar um novo modelo de gestão, com a participação de vários segmentos sociais, além de promover maior sinergia entre as universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo.

Desde sua implementação no início dos anos 2000, os Fundos Setoriais têm se constituído no principal instrumento do governo federal para alavancar o sistema de CT&I do País. Eles têm possibilitado a implantação de milhares de novos projetos em ICTs, que objetivam não somente a geração de conhecimento, mas também sua transferência para empresas. Projetos em parcerias têm estimulado maior investimento em inovação tecnológica por parte das empresas, contribuindo para melhorar seus produtos e processos e também equilibrar a relação entre investimentos públicos e privados em ciência e tecnologia.

Os Fundos Setoriais e os instrumentos criados a partir da Lei de Inovação no País, somados à base acadêmica e industrial criadas nos últimos 60 anos, permitem pensar o futuro para a Amazônia Legal com otimismo, porque há um processo crescente de discussão e formulação de políticas mais apropriadas às realidades locais.

É importante lembrar também que tem dezenas de organizações não-governamentais nacionais e internacionais, institutos de pesquisa, associações, cooperativas e projetos de extensão universitários envolvidos com políticas públicas na região ou órgãos públicos, mas que formalmente não estão relacionados a questão de inovação tecnológica. Na literatura estão associadas ao terceiro setor e apenas à inovação social.

Segundo a CNI (2020), no Brasil apenas quatro Estados possuem Lei + Decreto de Regulamentação completos, dez Estados possuem alguma, ou seja, pelo menos uma legislação de inovação atualizada, e 13 Estados não possuem nenhuma legislação atualizada a partir do Marco Legal de 2016. Dados mostram a defasagem em que a maioria dos estados da Amazônia Legal estão frente à atualização das suas políticas públicas de CT&I, legislação de extrema importância para garantir uma base jurídica sólida aos estados e, assim, viabilizar os corretos e assertivos investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) em sua região.

Pontos críticos precisam ser levados em conta pelos gestores de políticas, a começar pela necessidade de se adequar às especificidades da Amazônia Legal, que devem ser observadas na tomada de decisão para implementação de programas de incentivo. Assim como a falta de contato das pesquisas com o mercado.

São necessárias políticas públicas federais ou regionais para promoção dessa cooperação. Não há inovação sem articulação entre o setor público e o privado, e os resultados mostram que os pesquisadores continuam realizando suas pesquisas quase que exclusivamente dentro das universidades, reflexo este presente no número expressivo de publicações científicas por eles produzidas. No entanto, o mesmo não se dá com relação ao número de patentes e o mercado precisa estar conectado com a ciência no Brasil, especialmente na Amazônia.

Também é necessário o aprimoramento da legislação brasileira. A legislação brasileira de CT&I tem progredido significativamente. Porém a desburocratização ainda é necessária, e reduzir a burocracia tornará a economia brasileira mais atraente à inovação tecnológica. Atualmente os mecanismos existentes na legislação são para fazer fundos. A política ainda necessita de mecanismos para gestão. A experiência de outros países como os Estados Unidos deveria ser levada em consideração nesse caso. Lá a criação dos parques tecnológicos teve o envolvimento das empresas e universidades desde o início da concepção do projeto. As Conferências Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação tem se mostrado um bom canal de discussão para essas e outras questões.

O fortalecimento da ciência e tecnologia é crucial para o desenvolvimento sustentável da região. As instituições universitárias precisam estabelecer conexões das produções acadêmicas para as questões relevantes no território; acelerar a pesquisa básica e aplicada sobre biotecnologia; e identificar alternativas tecnológicas para o desmatamento, dentre outros.

A estratégica global que define e estrutura a implantação de um novo modelo de desenvolvimento em bases sustentáveis seria sustentada por dois pilares fundamentais articulados: tecnologia e ecologia. O desenvolvimento científico e tecnológico seria o componente central para a viabilização do aproveitamento econômico e sustentado dos ecossistemas naturais da Amazônia.

Como podemos observar no World Intellectual Property Organization (WIPO), o conceito de inovação tornou-se mais geral e horizontal, e agora inclui aspectos sociais, de modelo de negócio e técnicos. As universidades precisam aprimorar a articulação interinstitucional e suprapartidária, envolvendo os governos, o setor produtivo, o terceiro setor e as lideranças políticas para viabilizar a constituição e o financiamento de um espaço interinstitucional para o encaminhamento de soluções compartilhadas para os problemas regionais. O desenvolvimento científico e tecnológico é o componente central para a viabilização do aproveitamento econômico e sustentável dos ecossistemas naturais da Amazônia.

Além disso, o próprio processo de inovação mudou significativamente. O investimento em atividades relacionadas à inovação e ativos intangíveis tem se intensificado consistentemente nos níveis da empresa, da economia e global, adicionando tanto novos atores de inovação de fora das economias de alta renda quanto atores sem fins lucrativos. A estrutura da atividade de produção do conhecimento está mais complexa e geograficamente dispersa do que nunca. Um dos principais desafios é encontrar métricas que capturem a inovação como ela realmente acontece no mundo de hoje. Medidas oficiais diretas que quantificam os resultados da inovação permanecem extremamente escassas, especialmente quando o foco é a Amazônia Legal.

Como enfatiza o Instituto de Pesquisa da Amazônia, fatos de ordem política e legislativa resultaram na atual fragilidade das políticas e das instituições responsáveis pela agenda ambiental, pelas ações de comando e controle, principalmente, na esfera federal. Favoreceram o aumento do desmatamento na Amazônia medidas como: o enfraquecimento da governança ambiental, decorrente dos cortes orçamentários nas instituições responsáveis pela fiscalização; as substituições de diretores e de chefes de operações exitosas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade); as alterações no processo de autuação e de flexibilização das penalidades aos infratores ambientais; a desmobilização das instâncias de governança e de participação social nas políticas públicas; e a desarticulação institucional nas operações de comando e controle decorrentes do empoderamento do Exército Brasileiro para realizar a fiscalização.

Portanto, o ecossistema de inovação tecnológica e social na Amazônia é um grande desafio para a gestão pública, principalmente no que diz respeito a recomposição das políticas públicas intersetoriais e integradas. O território da Amazônia Legal enfrenta desafios na saúde pública, na geração de trabalho e renda, na educação pública, na preservação dos povos originários e na preservação da floresta a partir de novos padrões de atuação local, regional, desenvolvimento territorial e sustentável do pacto federativo nacional. A solução dessas demandas pode ocorrer também por meio de políticas públicas efetivas, da presença do terceiro setor e na articulação com as universidades, que podem influenciar diretamente no combate ao desmatamento, na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU; do Pacto Global para enfrentar as mudanças climáticas globais e, principalmente, no apoio do ecossistema de inovação tecnológica e social na Amazônia.

Por fim, pensar no apoio do ecossistema de inovação tecnológica e social na Amazônia é pensar na estrutura jurídica e fundiária do território, alinhada com as políticas públicas de Estado, que ultrapassem decisões de governo e que garantam a efetividade das políticas sociais. E assim, na governança destas com as políticas públicas de inovação, envolvendo parceiros da sociedade civil e da pesquisa, nacionais e internacionais. Temos muito trabalho pela frente.
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