Um livro que sai na defesa da arte de rua

Eduardo Longman e Gabriela Longman, pai e filha, fotógrafo e jornalista, lançam “Grafite: Labirintos do olhar”

 20/06/2017 - Publicado há 7 anos
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O grafite no contexto do cotidiano da cidade – Foto: Eduardo Longman

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Sair pelas ruas de Nova York, Berlim, e cruzar os labirintos da arte também com a cidade de São Paulo é um projeto que o fotógrafo Eduardo Longman e a jornalista Gabriela Longman vinham desenvolvendo há vários anos. Além do cotidiano de pai e filha, eles vivem uma parceria de ideias e trabalho desde sempre. O livro Grafite – Labirintos do olhar, lançado pela BEI Editora, é um dos bons resultados dessa pesquisa conjunta que chega em um momento pontual da arte de rua em São Paulo, quando a pintura de artistas brasileiros com projeção internacional é apagada como se fosse um ato de vandalismo. A publicação chega às livrarias como uma referência pontual da arte urbana.

Grafite: uma arte que se integra na paisagem urbana de São Paulo – Foto: Eduardo Longman

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As imagens de Eduardo aliadas aos textos de Gabriela testemunham o que move o processo criativo dos artistas que imprimem o seu pensamento nas paredes da cidade. Traduzem também os desafios da efemeridade de uma arte sujeita às intempéries não só do tempo, das mudanças construtivas, mas da ignorância do seu real significado.
“Desde o início havia uma intenção de investigar a produção de grafite em três contextos urbanos distintos, três continentes, três arquiteturas”, explica Gabriela. “São Paulo é nossa cidade de nascimento e atuação; Nova York é um berço do movimento, e o que aconteceu ali nas décadas de 1970 e 1980 é uma espécie de chave para a compreensão do grafite. Berlim, além de reunir alguns dos melhores murais da Europa, tem uma história particular – a de ter sido uma cidade dividida por mais de duas décadas – que nos interessava especialmente para pensar essa produção.”
O fotógrafo conduz o leitor pelos becos das cidades. A travessia, no entanto, exige o olhar atento aos detalhes das linhas, das cores, dos temas. Eduardo foca e amplia nuances da pintura que passam despercebidas. Também integra a arte no contexto da vida e da arquitetura da cidade. Bom exemplo é a imagem do grande mural em um edifício junto do Minhocão – antigo Elevado Presidente Costa e Silva e atual Presidente João Goulart – com os cidadãos caminhando ou andando de bicicleta na placidez de um domingo.
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Pelas ruas e vielas de São Paulo, a arte desafia as intempéries – Foto: Eduardo Longman

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Eduardo Longman é um flâneur. Suas fotos da cidade já integraram exposições individuais e coletivas no Brasil, no exterior e também na Bienal Internacional de São Paulo. É formado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP no início da década de 1970 e foi professor de fotografia da Universidade Metodista de São Paulo. Experiência que se revela no trabalho com a filha. Gabriela é graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, mestre pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, e está cursando o doutorado em Teoria Literária na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Nos textos, faz uma análise das imagens registradas pelo fotógrafo e da história da arte de rua em São Paulo, Berlim e Nova York.

“E o grafite? Pontos de exclamação
na gramática urbana”

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“São Paulo? Cidade de distâncias”, observa Gabriela. “É assim, entre viadutos, espigões e desníveis da cidade cinza que nascem os canos de água pura imaginados por Zezão, os personagens de Os Gêmeos, hoje conhecidos mundo afora, as mulheres de Magrela, os cabeludos de Enivo, os índios de Cranio. Pequenos universos dentro de um universo maior. Assim, nasce o grafite, descendo de um trem da linha 9 da CPTM, olhando para um lado e para o outro para ver se não tem polícia, sacando da mochila uma lata de spray como um morcego na noite.”
Gabriela explica que a maioria das imagens foi feita em áreas periféricas. “Vielas, viadutos, áreas de depósitos, zonas mais afastadas, áreas estas que o grafite encontra maior espaço. Em Nova York, por exemplo, a maior parte da produção está fora de Manhattan. Em São Paulo, encontramos um dos conjuntos mais significativos na Vila Flavia, em São Mateus, no extremo leste da cidade.”
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Em Berlim, os murais mais impactantes da Europa – Foto: Eduardo Longmam

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As imagens de São Paulo contextualizadas com as de Berlim e Nova York deixam claras as diferenças culturais e sociais. “A desigualdade social, por exemplo, é muito particular ao contexto brasileiro. São Paulo tem uma presença de concreto armado e uma vegetação tropical que não se vê nas outras duas. Em Nova York e Berlim, há menos grafites em viadutos e equipamentos urbanos, mas alguns murais têm dimensões bem maiores do que os que costumam ser vistos por aqui.”

“Talvez pudéssemos pensar que o grafite e o jazz
são primos separados por um século”

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Gabriela faz uma comparação interessante. “Talvez pudéssemos pensar que o grafite e o jazz são primos separados por um século. O primeiro vem a ser, para o século 21, o que o segundo de algum modo foi para o século 20.”
Na avaliação da jornalista, os dois são de matriz provocativa, alegre, zombeteira. “Mas, no fundo de um e de outro, existe uma dor e, sem essa dor, nem um nem o outro fazem o menor sentido. Vem daí sua força. A dor do jazz ainda é a dor dos escravos das fazendas de algodão do Sul, das comunidades afro-americanas de Nova Orleans, da segregação racial. Não à toa, essa dor encontrou tanto eco e ressonância em países como Cuba e Brasil.”
O grafite, segundo destaca Gabriela, surge nos Estados Unidos dos anos 1970, como um grito dos subúrbios. “Uma lata de spray é tão inofensiva quanto um trompete. Mas de uma e de outro nasceu uma revolução. O jazz transformou os salões do mundo, misturou-se. Virou dança, bossa nova, virou acid jazz. O grafite hoje vive o começo desse processo.”

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Gabriela lembra que o grafite migrou de zonas degradadas para zonas elegantes, faz parte de museus, decora estabelecimentos comerciais e foi incorporado pela linguagem visual da publicidade. “Alguns dizem que perdeu seu caráter original transgressor. Outros, que essa transgressão é instantaneamente recuperada toda vez que alguém sai ilegalmente para pintar. Ainda é difícil dizer que filhotes nascerão de sua conversa com a arte tradicional, com o design gráfico, com a arquitetura e com todo o repertório visual que o mundo carrega. Essa é a história das próximas décadas.”
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Grafite – Labirintos do olhar, fotografias de Eduardo Longman e textos de Gabriela Longman. Lançamento BEI Editora, 182 páginas. Preço: R$ 60,00.

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