Sem superpoderes, heróis nacionais são símbolos nas mais diversas áreas

No Brasil, os nomes mais famosos estão inscritos no “Livro de Aço”, abrigado no Panteão da Pátria em Brasília

 22/01/2025 - Publicado há 2 meses
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Imagem é uma fotografia em preto e branco do livro aberto de heróis e heroinas da Pátria, que fica em exposição em Brasilia
Livro de heróis e heroínas da Pátria reúne os heróis nacionais ao longo da história – Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
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A imagem dos heróis está comumente atrelada às personagens retratadas em quadrinhos e filmes hollywoodianos, que carregam superpoderes e lutam pelo bem da humanidade. Na vida real, as pessoas que lutam pelo bem da humanidade são chamadas de heróis nacionais, no entanto, não vêm de outros planetas nem possuem poderes especiais que lhes dão força sobre humana ou que lhes tornam invisíveis. Eles, além de lutar por direitos e justiça, são reconhecidos também pelos feitos alcançados e pelas virtudes que carregam. Por isso, estão presentes em outras áreas nas quais determinadas sociedades buscam inspiração e representação, como artes, ciências, esportes, saúde e educação. No Brasil, os nomes mais notáveis nessas áreas podem ser encontrados no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

Criado em 1992, o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, abrigado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes em Brasília, reúne nomes de personagens que, em algum momento da história, dedicaram suas vidas ao País. A escolha dos nomes de novos heróis para o livro se dá a partir da aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional e só podem ser inscritos nomes de pessoas que tenham morrido há, pelo menos, dez anos. A exceção para essa regra se dá quando a pessoa a ter seu nome inscrito tenha sido morta, ou presumidamente morta, em campo de batalha. Neste caso, não há necessidade de esperar uma década para a homenagem.

O primeiro nome inscrito no Livro de Aço, como também é conhecido o Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, por ser composto de páginas do metal, é Tiradentes. Um dos líderes da Inconfidência Mineira, o alferes foi o único participante da revolta condenado à morte por enforcamento em 21 de abril de 1792, e teve sua figura esquecida durante o resto do período colonial e durante todo o período imperial. Após quase 100 anos de esquecimento, a figura do inconfidente voltou a ser lembrada com a Proclamação da República, em 1899, quando passou a ser exaltado como mártir do movimento republicano e considerado herói nacional por seus ideais republicanos.

Cleiton Donizete Corrêa Tereza – Foto: Arquivo pessoal

O professor Cleiton Donizete Corrêa Tereza, do Departamento de Educação, Comunicação e Informação (Dedic) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, explica que a figura de Tiradentes como herói nacional é exemplar. “Em uma determinada época, Tiradentes era uma figura rechaçada, mas foi retomada e exaltada para a construção da República brasileira.” 

O professor Marco Antonio de Almeida, também do Dedic, diz que a construção da figura de Tiradentes se deu com a intenção de “construir um símbolo que se opusesse à monarquia, então constrói-se a figura do mártir”. Almeida cita ainda que a construção da imagem de Tiradentes como herói vai mais além, pois é retratado como semelhança de Cristo. “As barbas longas e uma roupa que lembra uma camisola, um pouco como a iconografia conhecida de Jesus Cristo, sendo que na figura real que temos de Tiradentes e em todos os registros, ele não tinha nem barba.” Essa construção da imagem de Tiradentes representa os valores cristãos da sociedade brasileira da época.

Identidade nacional

A presença de heróis nacionais, como Tiradentes, no imaginário da população não é algo recente. Corrêa afirma que “a figura dos heróis é presente, ao menos desde a Antiguidade, heróis como Hércules e Sansão fazem parte da mitologia de determinados povos e são muito conhecidos aqui no Brasil”. Ele ainda diz que “a figura do herói ou da heroína nacional como conhecemos hoje se constitui a partir da formação do Estado Moderno”. 

Concordando com Corrêa, o professor Almeida afirma que “o processo de criação dos Estados Nacionais no decorrer do século 16 até meados do século 19 envolve uma busca ideológica de se construírem os traços dessas nacionalidades, como características, alimentos e língua, e é aí que surgem os heróis nacionais como portadores desses atributos”. O professor ainda diz que, na época, os heróis carregavam consigo uma série de valores e símbolos que serviriam para unificar povos dispersos sob o guarda-chuva de um Estado-nação. 

Sergio Kodato – Foto: Arquivo pessoal

Além dos fatores já citados, o professor Sergio Kodato, do Departamento de Psicologia da FFCLRP, afirma que, além de inspirar a luta da população por crenças, direitos e contribuir para o engrandecimento da sociedade, os heróis nacionais “ajudam a construir a identidade coletiva e o espírito de nação, unindo os cidadãos em torno de um sentimento comum de orgulho e pertencimento à nação e à população”. Segundo Kodato, eles também podem “motivar ações positivas, como a defesa da liberdade, da justiça, do combate à desigualdade, estimulando movimentos sociais e incentivando perspectivas de mudança na sociedade”.

Por conta desses atributos, semelhantes aos dos super-heróis dos filmes e das histórias em quadrinhos, os heróis da vida real são vistos frequentemente como representações dos valores presentes na sociedade, como foi à época da Proclamação da República. Os valores mencionados por Kodato são: coragem, altruísmo, justiça, integridade moral e combate à corrupção e à desonestidade. O professor diz ainda que os heróis “simbolizam a esperança de um futuro melhor e a possibilidade de mudança das condições de vida, tornando-se figuras que inspiram a luta por causas importantes”.

O professor finaliza dizendo que “em muitos casos, as pessoas projetam suas aspirações, conflitos e necessidades nos heróis, esperando que eles representem suas vozes de lutas e tenham um caminho na perspectiva de solução de seus problemas existenciais”. Além disso, o professor afirma que “a população busca heróis e líderes que forneçam orientação e direção, especialmente em tempos de crise, onde a necessidade de tomar decisões fortes e claras é bem maior”.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Jr e Gabriel Soares


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