
A Câmara dos Deputados aprovou, no mês passado, o Projeto de Lei 1637/19, de autoria do ex-deputado Delegado Waldir (PSL/GO), que permite o aumento do prazo de internação por tempo indeterminado, com tempo mínimo de três a 20 anos, para pessoas inimputáveis, ou seja, afligidas por sofrimentos psíquicos que não são capazes de responder criminalmente por seus crimes. Além disso, o projeto favorece medidas como internação compulsória e aumenta o período de tempo das perícias, que passa a ser a cada três anos.
Para o professor Maurício Stegemann Dieter, do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP, o projeto é inconstitucional ao considerar a possibilidade de uma medida de segurança por tempo indeterminado. “É barbárie institucionalizada porque quando se diz, como diz o projeto de lei, que a medida de segurança é por tempo indeterminado você acabou de instituir uma pena perpétua, que é proibida lá no artigo 5º, inciso 47, linha B da Constituição da República”, explica o professor.

Alteração no Código Penal
O projeto modifica o Código Penal no que se refere às medidas de segurança aplicadas a pessoas inimputáveis afligidas por sofrimentos psíquicos. Atualmente, pessoas dessa faixa que cometem crimes são direcionadas a duas possibilidades de tratamento: o ambulatorial, no qual o paciente não precisa ser internado para receber o tratamento, e a internação compulsória, um procedimento legal no qual a pessoa é internada para receber o tratamento adequado.
Com a reforma, a internação compulsória decidida pelo juiz terá um prazo mínimo de um a três anos. Além disso, o tratamento ambulatorial contará com a possibilidade de um período indeterminado, com a exigência de tempo mínimo de três a 20 anos. Hoje, o tempo mínimo é de um a três anos; com a reforma crimes como ameaça ou grave violência terão um período de reclusão mínimo de sete anos e de 15 anos para aqueles com homicídio.
Reforma punitiva
Para Stegemann, a reforma é infundada, pois pacientes inimputáveis não deveriam estar sujeitos a “penas judiciais”. “Pessoas portadoras de sofrimento psíquico não estão sujeitas a penas. Porque a pena só pode ser o corolário da reprovação, da censurabilidade do ato. É um castigo que se aplica a uma pessoa que tomou uma decisão errada. Se a pessoa não tem condições subjetivas de, objetivamente, tomar uma decisão informada pela realidade, seja porque ela tem uma falsa consciência da realidade, seja porque ela não tem capacidade de autodeterminação, ela não pode ser castigada”, explica o professor.

O projeto também modifica o período de realização de perícias psiquiátricas, que passariam a ser realizadas a cada três anos, método que atualmente pode ser realizado anualmente ou a qualquer momento necessário. A mudança, de certa forma, diminuiria o contato dos pacientes com psiquiatras preparados, ato que, segundo a professora Eliane Di Sarno, psicóloga com especialização em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica e Terapia Cognitivo Comportamental pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, favorece um caráter punitivo e menos científico à reformulação.
“Ao invés de tratar, não estaríamos favorecendo e fomentando o agravamento das condições de saúde? A assistência ofertada aos internos dessas instituições tem caráter punitivo. Não tem, às vezes, um caráter de tratamento, mas tem um caráter punitivo em razão de eles terem cometido crimes. Pode pautar-se na medicação excessiva, o que dificulta a reintegração na sociedade”, detalha a professora.
Internação em manicômio
Uma terceira modificação proposta pelo projeto refere-se à obrigatoriedade de internações em “unidades especializadas de custódia” ou em “estabelecimentos de saúde que forneçam serviços de atenção à saúde mental”. Entretanto, a alternativa foi alvo de críticas pela verossimilhança com os manicômios, abolidos em 2001 com a Lei 10.261, parte do importante movimento da Reforma Psiquiátrica, que estruturou os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, e ainda por ir contra uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2023, que estabeleceu o fechamento dos manicômios judiciários.
Para a professora Elaine, a decisão também não seria ideal: “Como você quer falar de hospital psiquiátrico de internação prolongada se não chama as instituições que cuidam dessa área? É como discutir o infarto sem um cardiologista. As instituições, os psiquiatras, têm que participar desse novo protocolo. O tempo, ele vai depender da evolução do tratamento, não de prazos fixos estabelecidos por lei. Porque é tudo muito individual, cada um responde ao tratamento de forma individual”, questionou a professora.
O texto aprovado na Câmara será agora encaminhado para o Senado para apreciação e votação.
*Estagiária sob a supervisão de Marcia Avanza
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