Há 50 anos, Regina Celi incentiva os estudantes a serem mestres do futuro

A determinação e o rigor da funcionária ajudou a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP a ser a casa de milhares de estudantes

 18/09/2024 - Publicado há 6 meses
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Regina Celi Sant’Ana em seu posto de trabalho na FFLCH – Foto: Julio Bazanini

“Pôxa Regina, você parece a minha mãe…”

Essa é a frase que Regina Celi Sant’Ana ouve quando chama a atenção dos estudantes diante das queixas e entrega dos prazos dos trabalhos de mestrado e doutorado. Muitos choram, se queixam… Mas Regina não se abala. Sai e volta trazendo um copo de água, chocolate ou biscoito… Um agrado para animar aqueles que passam dias e noites pesquisando e sonhando com a sua tese devidamente pronta, entregue e aprovada com louvor.

Com a sua determinação e rigor, a chefe do Serviço de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP está entre os estudantes há 50 anos. É uma das funcionárias mais homenageadas na Universidade de São Paulo pela pontual dedicação. Há 25 anos, o Jornal da USP fez uma matéria especial sobre ela. Quando completou 40 anos também foi festejada. E agora, na solenidade de comemoração dos 90 anos da FFLCH, foi a protagonista com direito a flores e bolo pelos seus 50 anos de dedicação.

“O professor Mourão sempre incentivava as minhas atividades. Certa vez, me disse: ‘Regina, você é muito rigorosa. Quando diz não é não. Chega a ser chata na defesa das regras. Mas é a pessoa que conheço que mais procura um sim dentro da legalidade’. Considerei essa observação o maior elogio que já recebi pelo meu trabalho.”

Regina lembra com saudade do professor Fernando Augusto Albuquerque Mourão (1934-2017). ”Sempre foi muito dedicado às questões africanas e fundou o Centro de Estudos Africanos”, observa. “A FFLCH é um universo de grandes mestres. Basta conferir sua história registrada na exposição de fotos no corredor do prédio da administração, no salão nobre e na sala da diretoria.”

O trabalho desta paulistana é acompanhar o caminhar dos estudantes. “Sei que muitos deles vão atravessar o centenário da FFLCH como professores”, acredita. “É mesmo um universo de mestres, iluminando a trajetória dos futuros professores, pesquisadores e cientistas que estão em universidades e instituições de todo o País.”

O orgulho de Regina não é por menos. Tantos alunos, tantos trabalhos que nem viu o tempo passar. “A FFLCH tem 23 programas de pós-graduação e 3.040 alunos matriculados: 1.416 no mestrado, 1.547 no doutorado e 77 no doutorado direto.”

 

“Alguns dizem que se não fosse a minha ajuda, não teriam encontrado o seu caminho pelo mundo afora.” 

Estudantes que, muitas vezes, Regina nem consegue lembrar, aparecem com presentes e agradecimentos. “Eles dizem que se não fosse a minha ajuda, não teriam encontrado o seu caminho pelo mundo afora. Quando ouço isso, sinto que fiz a diferença na vida de uma pessoa e isso não é pouco. Fico muito grata e feliz. ” 

Para descansar,  Regina gosta de cuidar do seu jardim, dos seus cachorros e de fazer poemas. Até dedicou um deles para o corredor do prédio da Administração da FFLCH que percorre todos os dias. O título é Caminho de Vida. Começa assim:

          Quantas vezes te percorri.

            Fui em busca de alegrias,

            de tristeza,

           de boas notícias…

E termina assim:

                 Corredor de minha vida,

                 estrada de dores e maravilhas… 

                 Sou feliz.

                 Claro que também isso você já sabe…

Esse corredor é testemunha da dedicação de Regina e de suas infinitas histórias. “Em julho de 1974, fui com o meu pai, que já trabalhava aqui na Cidade Universitária, me inscrever num concurso para escriturária. Ele queria que ficasse perto dele. E para a nossa felicidade, fui aprovada.”

A escriturária com 18 anos jamais imaginava enfrentar, na Universidade de São Paulo, um dos seus períodos mais difíceis. “Eu tinha acabado de sair do colegial e estava feliz com o meu primeiro emprego. E, de repente, comecei a me deparar com a visita de homens de preto, óculos escuros. Faziam perguntas. Iam embora, mas deixavam uma energia estranha no ar.”

Regina presenciou a tragédia da ditadura militar na USP, de 1974 a 1985. “Não era fácil. Eu entrei aqui completamente despolitizada. E foi muito triste compreender os detalhes do que significava toda aquela pressão que resultou na tortura de estudantes e professores mortos e desaparecidos.”

Lembra bem desse período e da Lei da Anistia em 29 de agosto de 1979. “A expectativa era de que a USP, 15 anos depois do golpe militar, fosse voltar ao normal. Professores e estudantes da USP que estavam exilados começaram a regressar. Mas só em 1985 , com a redemocratização, que a FFLCH começou a respirar.”

Por estas lembranças, Regina ficou emocionada com a homenagem da FFLCH  que diplomou, no último dia 26 de agosto, 15 alunos mortos pela ditadura militar. “Os diplomas foram entregues aos familiares. Como destacou o professor e diretor Paulo Martins, foi um ato de reparação e reconhecimento para os alunos que morreram em nome da liberdade, da democracia e da Universidade”, observa. “Eles bem poderiam ter feito pós-graduação e, com a sua coragem, tinham muito a contribuir.”

50 anos depois, Regina junto de Alice e Pedro Henrique recebe a homenagem da FFLCH USP – Foto: Arquivo pessoal

 

Regina e seus filhos quando completou 25 anos de trabalho e foi entrevistada pelo Jornal da USP – Foto: Arquivo pessoal

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“Felicidade é depois de um dia de trabalho entre os filhos da USP, poder encontrar meus dois filhos em casa, também cheios de sonhos…”

Quando Regina sai da USP, o trabalho de mãe continua. Fica entusiasmada ao contar sobre os seus dois filhos. “Felicidade é chegar em casa depois de um dia de trabalho entre os filhos da USP, poder encontrar meus dois filhos em casa, também cheios de sonhos…”, diz orgulhosa. “Quando eram pequeninos, eu não via a hora de ver a alegria deles. Mas cresceram rápido demais. Alice tem 26 anos e é muito talentosa. Já o Pedro Henrique tem 23 anos, e é um estudante de fisioterapia dedicado.

Alice e Pedro são como os estudantes da USP. Levam broncas quando é preciso, mas têm certeza de que a vocação de Regina é fazer tudo para iluminar o seu caminho. “Mãe é assim. Já nasce mãe…”, conclui sorrindo.

 


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