Um ataque em uma escola estadual, localizada na Zona Leste do município de São Paulo, ocorrido na última segunda-feira (23), trouxe à tona o debate acerca da violência no ambiente escolar. O autor foi um adolescente de 16 anos e deixou uma vítima fatal e três pessoas feridas.
O professor Douglas Emiliano, do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), comenta: “A violência na escola não é por acaso, uma vez que aquela representa a barbárie e a morte se insurgindo contra a cultura e a vida”.
Recentemente, o governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vetou o Projeto de Lei 637/2023, que regulamentava a contratação de psicólogos e assistentes sociais para escolas públicas do Estado com a justificativa de que já existe um programa com esse objetivo.
Violência nas escolas brasileiras
Marilene Proença, docente do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP, cita o Massacre de Realengo (RJ), que aconteceu em abril de 2011, como um marco para o início dos estudos sobre ataques em escolas. Desde então, o número de ocorrências desse tipo vem aumentando e 57% delas aconteceram entre 2022 e 2023, deixando 59 pessoas mortas nesses episódios.
Segundo a especialista, os índices referentes à violência contra crianças e adolescentes no Brasil são alarmantes e revelam a urgência de ações estratégicas. Um estudo realizado pelo Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de 2021, apontou que, no período de 2016 a 2020, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos intencionalmente e, ano a ano, o número está em crescimento.
Além disso, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicou que, em 2022, todos os indicativos de violência doméstica cresceram no País, sendo as mulheres as maiores vítimas.
Marilene comenta a importância do ambiente escolar na vida dos jovens: “A escola tem se tornado um lugar de proteção social fundamental, em que é possível constituir ações multiprofissionais e intersetoriais que venham a identificar situações de maus tratos, violência, discriminação e preconceitos”.
Possíveis causas e soluções
Neste ano, acontecerá a Conferência Nacional de Educação, que contribuirá para a construção do Plano Decenal de Educação para Todos (2024 – 2034), que dará oportunidade aos participantes de manifestar a dimensão da vivência escolar, diante dos desafios postos nas relações socioculturais no País.
Nesse cenário de ataques frequentes a escolas, o preconceito e a discriminação são mencionados como fatores diretos. Relatório da Unicef descreve que o bullying provoca desafios para a saúde mental das pessoas, como depressão, ansiedade e isolamento social. Esse contexto proporciona evasão escolar, pois esses jovens se sentem desprotegidos ao frequentar a escola.
Emiliano, da Faculdade de Educação, ressalta a importância dos educadores na transmissão de conhecimento para seus alunos. “Quanto à questão de que as pessoas que cometem violências na escola sofreram bullying, isso não deve ser subestimado. Contudo, a questão mais crucial talvez seja que, quanto menos os professores oferecem conhecimentos, menos demanda por esses conhecimentos os alunos apresentam.” Dessa forma, na visão dele, os jovens se sujeitam à tirania de grupo e às pressões sociais.
O docente destaca que essa realidade é condicionada por um descrédito da sociedade para com os professores e, assim, a transmissão da cultura na escola não é reconhecida como uma via para enfrentar a violência. “Não duvido da importância de uma acolhida psicológica em escolas, sobretudo quando acometidas por violências extremas. Entretanto, os psicólogos, de modo geral, são convocados sob a crença de que os professores não dão conta do recado”, afirma.
Outros motivos são apontados como responsáveis por esses incidentes. Por exemplo, possíveis transtornos psíquicos “naturais do indivíduo” ou a “desestruturação” familiar. Nesse sentido, o professor realiza um contraponto, ao levar em consideração o simbolismo da escolha da escola como palco da violência.
A professora Marilene explica que uma possível solução para a problemática seria a realização de uma política intersetorial e interdisciplinar para contenção dos ataques: “Portanto, se trabalharmos conjuntamente – professores, psicólogos escolares e os profissionais do Serviço Social – na perspectiva educativa, construiremos possibilidades de compreensão e de enfrentamento aos desafios postos no processo de escolarização”.
Para isso, ela pontua: “Os estudantes nos trazem a necessidade de diálogo entre escola, família, comunidade; ampliação da participação nas decisões escolares; melhoria da infraestrutura com acesso à tecnologia e a metodologias participativas e das condições de trabalho dos docentes e funcionários das escolas; e a criação de programas que enfrentem o preconceito e a violência contra as escolas e nas escolas”.
Referente às funções específicas dos psicólogos e assistentes sociais, a psicóloga Marilene Proença comenta algumas funções que podem ser tomadas: “Ações conjuntas objetivando melhorias nas condições de ensino, considerando a estrutura física das escolas, o desenvolvimento da prática docente, a qualidade do ensino, entre outras condições objetivas que permeiam o ensinar e o aprender”.
“É importante considerar que as ações devem ser inseridas no Plano Nacional de Educação, no Plano Estadual de Educação e no projeto político-pedagógico das escolas e das redes públicas de educação”, afirma a professora.
Psicólogos nas redes estaduais de ensino
Em abril, o governador de São Paulo anunciou um projeto para contratação de psicólogos e seguranças desarmados para atuação nas escolas estaduais, duas semanas após um ataque que ocorreu na Zona Oeste da capital paulista, que deixou uma professora morta e quatro pessoas feridas. Atualmente, a rede estadual de ensino conta com 550 psicólogos para trabalhar em 5.500 unidades, média de um profissional para cada dez escolas.
Emiliano comenta: “A meu ver, o veto ocorreu, antes de tudo, pelo fato de o projeto de contratação de novos psicólogos ser considerado uma política pública progressista, ao contrário de ser concebido como política de Estado”.
Marilena ainda destaca que o Estado possui todas as condições para proporcionar a melhor educação básica às futuras gerações, desde que utilize o conhecimento das universidades e os saberes docentes construídos no cotidiano escolar. “A educação básica é o alicerce fundamental da formação humana, de pessoas que tenham gosto pela democracia e que lutem pelos direitos humanos e sociais”, ela reforça.
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