Reflexões sobre a pesquisa da USP no V Ciclo Avaliativo

Por Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina da USP, e Cláudio Geraldo Schön, professor da Escola Politécnica da USP

 15/09/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 18/09/2023 as 17:54
Bruno Gualano – Foto: Arquivo Pessoal
Cláudio Geraldo Schön – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
A USP possui mais de 1.600 grupos de pesquisa certificados pelo CNPq, os quais, em conjunto, contribuem com mais de 20% de toda a produção científica no Brasil. Como evidência da liderança científica exercida pela instituição, 71,5% dos seus 260 Programas de Pós-Graduação atingiram nível de excelência na mais recente avaliação da Capes, com conceitos 5 (n = 78), 6 (n = 57) e 7 (n = 51). A Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação fomenta as atividades científicas nas diversas unidades da USP por meio de programas bem-sucedidos que beneficiam alunos de ensino fundamental e médio, graduação e pós-graduação, e pesquisadores jovens e experientes. São exemplos os Programas de Pré-Iniciação Científica e Pré-Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, os Programas de Iniciação Científica e de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, o Programa de Pós-Doutorado e o Programa Pesquisador Colaborador.

Graças ao massivo investimento em pesquisa, a USP ocupa lugar de destaque no cenário mundial. É o que aponta, por exemplo, o ranking de Leiden, no qual a Universidade ostenta a 12ª posição no item produção científica, sendo a única instituição latino-americana a figurar entre as 50 melhores do mundo. No que se refere ao quesito colaboração, que avalia as parcerias interinstitucionais, internacionais e com a indústria para a produção de artigos, a USP aparece na 12ª colocação. A USP é a instituição com mais pesquisadores agraciados com Bolsas de Produtividade em Pesquisa do CNPq (n = 639). Recentemente, 247 de seus docentes foram citados numa lista elaborada por pesquisadores da Universidade Stanford (EUA), que classifica os cientistas mais influentes do mundo em suas respectivas áreas de atuação. A USP foi a instituição brasileira que apresentou o maior número de cientistas na lista.

A robustez de seu parque de equipamentos e a competência do seu corpo de pesquisadores tornam a USP um bastião nos enfrentamentos de crises sociais. Neste contexto, merece destaque a atuação científica da instituição no combate à pandemia de covid-19. A despeito da escassez de verbas de pesquisa e das dificuldades impostas pela Lei Complementar 173/2020, que congelou a carreira de servidores e impediu novas contratações, a Universidade logrou inegável êxito em conduzir pesquisas de grande impacto na mitigação da crise sanitária. De acordo com um levantamento da empresa Clarivate Analytics, especializada em cientometria e bibliografia científica, pesquisadores da USP publicaram mais de 2,9 mil artigos sobre covid-19 até março de 2021. Esses números posicionam a USP como a 33ª instituição do mundo que mais produziu conhecimento sobre a pandemia durante esse período.

Entre os inúmeros trabalhos dignos de destaque que contribuíram no enfrentamento da pandemia, ressaltamos o projeto Inspire, da equipe de engenharia multidisciplinar da Escola Politécnica (EP-USP) e da Faculdade de Medicina (FM), que desenvolveu um ventilador pulmonar emergencial, de baixo custo e livre de patente, com insumos de fácil acesso no Brasil, com potencial de suprir a alta demanda do aparelho hospitalar. Além disso, faz-se menção ao desenvolvimento e oferecimento de teste capaz de diagnosticar a covid-19 pela saliva, sob liderança do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), financiado pela Fapesp e pelo Instituto de Biociências (IB) da USP; ao mapeamento dos primeiros genomas do sars-cov-2 no Brasil em apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no País, em experimentos conduzidos no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da USP (IMT/USP); à criação de uma plataforma (Info Tracker) que utiliza matemática e inteligência artificial para predizer o número de infecções, óbitos e pacientes recuperados da covid-19 no Estado de São Paulo, uma iniciativa de pesquisadores do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), apoiados pela Fapesp; e à testagem da eficácia de 300 máscaras faciais usadas na prevenção da covid-19 no Brasil, um estudo liderado por pesquisadores do Instituto de Física, com participação do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Instituto de Química (IQ), Inova USP e EP-USP.

A interface da pesquisa com a inovação tecnológica é fomentada pela Agência USP de Inovação, responsável por fazer com que o conhecimento científico, tecnológico e cultural produzido na Universidade alcance a sociedade. Como forma de atender a esse objetivo, foi criado o Inova USP, espaço que visa a integrar laboratórios independentes e multiusuários num ambiente multidisciplinar dedicado ao desenvolvimento de pesquisa e inovação, em temas como biodiversidade, monitoramento de riscos potenciais à saúde pública brasileira e mundial, e soluções digitais.

A partir da autoavaliação do desempenho das unidades, torna-se evidente que a maioria delas também é muito eficiente em captar recursos, seja de iniciativas institucionais, como os Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs), seja por iniciativas de agências de fomento, como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) do CNPq, os Centros de Pesquisa e Desenvolvimento (CEPIDs) da Fapesp ou unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapii). Algumas unidades recém-criadas ainda procuram consolidar sua estrutura de pesquisa, como esperado. Os museus, em geral, são mais reconhecidos pela promoção cultural. Contudo, estes exercem uma atividade de pesquisa muito particular e de relevo social: a curadoria de coleções.

O processo de autoavaliação da USP também revelou fragilidades sistêmicas que precisam ser enfrentadas. Para manter ou elevar sua capacidade científica, boa parcela das unidades aponta a necessidade de reposição do quadro de docentes e servidores técnico-administrativos, desfalcado por aposentadorias, exonerações e óbitos. Políticas para conquistar e reter talentos são insuficientes, o que tem se refletido numa fuga de cérebros da Universidade e, no limite, do País. O Programa de Atração e Retenção de Talentos (Part) foi criado para reter jovens pesquisadores, mas sua natureza transitória e a baixa remuneração foram entraves no cumprimento da meta. Os sucessivos cortes orçamentários para ciência e tecnologia também comprometeram projetos de pesquisa e investimentos em parques de equipamentos. Finalmente, a pandemia de covid-19 criou obstáculos à condução de diversos estudos, muitos dos quais, infelizmente, descontinuados.

Além disso, o modelo de contratação docente merece reflexão. Por enxergar a pesquisa de qualidade como definidora de sua excelência, a maioria das Unidades aponta a necessidade de ampliação de seus quadros para fomentar a ciência. Entretanto, as atividades de ensino e formação profissional (conjuntamente com cultura e extensão) seguem representando a face mais visível da Universidade perante a sociedade. Por isso, o pedido de claros para a contratação de pessoal para o desenvolvimento de determinada linha científica vem, geralmente, na esteira da criação ou ampliação de disciplinas de graduação – algumas, não raras vezes, desconectadas da especialidade do contratado –, hipertrofiando a carga horária de cursos para além do desejável, situação que costuma desaguar na dificuldade futura de reposição dos quadros. Assim, parece-nos imperiosa a realista revisitação das grades curriculares dos cursos e das metas de pesquisa das Unidades ante as demandas sociais vigentes, a fim de melhorar a eficiência das contratações de pessoal, sob pena de prejudicar a qualidade da formação profissional e, ao mesmo tempo, inviabilizar o resgate do poder aquisitivo da carreira docente, condição fundamental para fixação de talentos.

A despeito dos desafios diagnosticados, a USP continua a ocupar uma destacada posição na produção de ciência nos contextos nacional e internacional. O impacto social que a pesquisa da Universidade é capaz de produzir materializou-se, cristalinamente, durante a pandemia, o que justifica, reiteradamente, o financiamento e a confiança investidos pela sociedade na instituição.

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