Celular, um vício pior que o crack

As big techs ganham bilhões intoxicando jovens e adultos, mas a família – a sagrada família – eles protegem e não deixam contagiar

 01/11/2024 - Publicado há 1 mês
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A Comissão de Educação (CE) da Câmara de Deputados aprovou nesta quarta-feira (30) o projeto de lei 104/2015, que proíbe o uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis em salas de aula. O que será que a professora Marília Fiorillo acha dessa iniciativa?  “Viva a linguagem! Será que voltaremos a pensar e conversar? Vamos celebrar a iniciativa do governo brasileiro de proibir o uso de celulares em sala de aula. E torcer para que não caia no ‘dois pra cá, dois pra lá’ de várias iniciativas recentes, que têm sido revistas, emendadas, desfiguradas e procrastinadas até caírem no vazio. Há muitos anos (quase duas décadas) nós temos criticado, em artigos, podcasts e palestras (destaque para uma mesa-redonda realizada no Instituto de Estudos Avançados de Ribeirão Preto), temos criticado esse aparelhinho aparentemente inócuo, mas cujo efeito é devastador, o de disseminar, como dizia Umberto Eco, todas as taras humanas. O uso (que se torna rapidamente abuso) do celular é um vício fatal, que começa como uma doença silenciosa e contamina todo o corpo social. É tão devastador como o vício em drogas pesadas, em crack ou opioides. Adoece o usuário, quando não mata de vez sua inteligência e criatividade.”

“Nem vamos mencionar a desatenção das crianças ou os prejuízos ao aprendizado e sociabilidade. Tem efeitos mais letais: nos torna obsessivos, preguiçosos e incapazes de raciocinar com independência. Nos intoxica com fake news e nos torna, ao final, surdos e mudos. Surdos, pois nos habitua (como todo vício) a sempre consumir mais do mesmo, regurgitando as próprias ideias, sem escutar o interlocutor, e mudos, pois pouco importa o que digamos. Fizemos um teste com um desses zapeadores compulsivos, que não paravam de enviar mensagens sobre um assunto qualquer. Tentávamos mudar de tema, exclamando: ‘Ah, acho que vou infartar!’. Nada, não reagiam. Só na terceira ou quarta vez em que fingíamos um ‘vou infartar, vou morrer’, o suposto interlocutor reagia: ‘Infarto, que história é essa?’ Como todo vício, a ‘infomania’ surdo-muda é muito gostosa, muito predatória. Quer uma prova irrefutável de que o vício em celulares é uma pandemia de proporções ainda maiores do que a covid? No Silicon Valley, meca das big techs, os CEOs das grandes (e pequenas) empresas matriculam os filhos em escolas tradicionais, muitas delas antroposóficas, que proíbem a entrada de tablets, celulares, notebooks nas salas de aula. Não são bobos: sempre souberam a cilada que estavam criando e não iriam deixar os filhos caírem na arapuca. Ganham bilhões intoxicando jovens e adultos, mas a família, ah!, a sagrada família, eles protegem e não deixam contagiar”, finaliza Marília.


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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