EUA tinham políticas para atrair artistas brasileiros na ditadura

Pesquisa evidencia um dos mecanismos pelos quais os americanos reforçaram sua influência cultural na América Latina

 11/01/2017 - Publicado há 7 anos
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A imprensa brasileira mostrava os artistas nos EUA de forma sofisticada, o que contribuía para a imagem sedutora do país - Foto: Dária Gorete Jaremtchuk
A imprensa brasileira mostrava os artistas nos EUA de forma sofisticada, o que contribuía para a imagem sedutora do país – Imagem de arquivo/Dária Gorete Jaremtchuk

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Motivada pela vontade de entender o que artistas brasileiros foram fazer nos Estados Unidos durante a ditadura militar, Dária Gorete Jaremtchuk, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, foi ao país traçar um mapa que mostrasse o que eles fizeram, suas criações artísticas e onde foi exposta essa produção. Chegando lá, no entanto, ela entrou em contato com fatos que não havia imaginado. “Descobri que a situação era um pouco mais complicada. Na verdade, houve uma política norte-americana que fez com que intelectuais, professores e artistas fossem para os Estados Unidos, e isso fez com que minha pesquisa ganhasse outra proporção e uma nova dimensão.”

Depois de alguns anos de estudo, indo aos Estados Unidos e procurando documentos que pudessem comprovar políticas promovidas pelo país para atrair brasileiros, Dária foi selecionada, no final de 2015, para fazer parte do novo Programa Ano Sabático do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O programa permitiu que seis pesquisadores da Universidade passassem um ano se dedicando integralmente à pesquisa. A professora conta que, ao longo de 2016, teve a oportunidade de ir aos Estados Unidos novamente, coletar mais algumas informações que precisava, e tempo para escrever o trabalho intitulado Exílio Artístico: Trânsito de Artistas Brasileiros para Nova York Durante as Décadas de 1960 e 1970.

Guerra Fria cultural

Ao longo de suas pesquisas, Dária Jaremtchuk observou que as políticas de atração de brasileiros estavam relacionadas à Guerra Fria. Isso porque, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os americanos promoveram políticas direcionadas à Europa, visando a estancar o crescimento da União Soviética. “Só que após a Revolução Cubana [1953-1959], eles perceberam que a América Latina ficou descoberta, e todo o maquinário da ‘guerra fria cultural’ norte-americana voltado para a Europa foi redirecionado para a América Latina”. A pesquisadora buscou então mostrar como os artistas visuais brasileiros estavam inseridos em tal condição histórica.

O trabalho dela explora o conceito das relações internacionais soft power (ou poder brando), utilizado para descrever a habilidade que um país tem para influenciar outros países por meios ideológicos ou culturais – e não bélicos ou políticos, por exemplo. Assim, as “políticas de atração” dos Estados Unidos eram um dos artifícios culturais utilizados para exercer influência sobre o nosso país. “A pesquisa inclui um capítulo sobre o Ibeu (Instituto Brasil-Estados Unidos) do Rio de Janeiro, um espaço em que as pessoas viam exposições de artistas norte-americanos, participavam de salões e podiam ganhar prêmios, aprender inglês”, diz Dária. Para ela, a existência desse centro ajuda a comprovar que de fato havia uma política de atração. O estudo também discute as Bienais de arte de São Paulo como uma vitrine da arte norte-americana.

Além disso, a pesquisadora conta que as bolsas oferecidas recebiam grande destaque na imprensa porque os próprios americanos produziam textos para divulgação e enviavam para os jornais brasileiros por intermédio da companhia responsável, a United States Information Agency. “Essas bolsas todas começam a ter muito destaque na imprensa brasileira, e não porque os jornalistas iam atrás da pauta, mas porque a matéria já chegava pronta no jornal, ele já recebia a foto do evento, as informações todas.” Tais matérias eram extremamente sofisticadas e levavam mais artistas a se interessarem pelas bolsas. “Você tem ali nas fotografias o embaixador norte-americano, o artista, o representante da instituição dos Estados Unidos, então existe uma grande sofisticação de imagem”, afirma ela, ao ponderar que o intuito era realmente seduzir e mostrar os Estados Unidos como um “país maravilhoso”.
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Amilcar de Castro na escola de seu filho em New Jersey, Estados Unidos - Imagem Arquivo: Dária Gorete Jaremtchuk
Amilcar de Castro na escola de seu filho, em New Jersey, Estados Unidos – Imagem de arquivo/Dária Gorete Jaremtchuk

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“Não trabalhamos com artistas latino-americanos”

Junto às “políticas de atração”, Dária desenvolve em seu trabalho outros três conceitos: “exílio artístico”, “fracasso profissional” e “poéticas do exílio artístico”. Depois de apresentar e detalhar as políticas com base documental, a estudiosa apresenta a ideia de “exílio artístico” para mostrar que o que acontecia não era algo pessoal e individual, mas estrutural e programático, que levou muitos artistas para o país ao norte. “Eu chamo de ‘exílio artístico’ porque tem um componente que é político, que são as políticas de atração, e tem um componente pessoal, pois a situação para os artistas não estava fácil no Brasil”, explica.

O terceiro termo trabalhado por ela, “fracasso profissional”, diz respeito ao ambiente que os artistas encontraram quando chegaram aos Estados Unidos. “Mesmo a bolsa Guggenheim, que era prestigiosa, só nome grande como Amilcar de Castro, por exemplo, que ganhava, não dava nenhuma condição para o artista se localizar na cena, então ele ficava na verdade com a sua rede de contatos. As bolsas em si não davam nenhuma possibilidade de se fazer uma palestra, ou amarrar um contato e fazer uma exposição”, revela. Somado à falta de possibilidades oferecidas pelas bolsas, ainda estava o preconceito contra o artista latino-americano. Foi nesse momento, aliás, que o brasileiro começou a se reconhecer como latino-americano. “As galerias diziam para os brasileiros: ‘nós não trabalhamos com artistas latino-americanos, só com europeus e americanos’”.

Diante dessas condições, os artistas tiveram que se adaptar, e é nesse contexto que Dária situa as “poéticas do exílio artístico”. “Eles vão trabalhar com materiais diferentes do que eles trabalhavam no Brasil, a escala do trabalho vai ser menor, eles vão usar materiais mais perecíveis, tecnologias mais baratas e acessíveis.” Assim, o exílio artístico criou condições comuns que influenciavam as poéticas dos artistas, ou seja, tudo aquilo que caracterizava suas produções. “Eu tento encontrar um denominador comum para tudo aquilo que eles estão fazendo, e esse denominador comum é uma restrição material. Porque Nova York era cara, eles não foram reconhecidos, e não puderam ter um público para mostrar o trabalho.”

Ela explica que os artistas passavam alguns meses nos Estados Unidos, e faziam um trabalho realmente diferente do que realizavam no Brasil, porém não necessariamente incorporaram essas mudanças em seus trabalhos quando voltaram, mas que este é tema para outra pesquisa.

Dária vê como diferencial do seu trabalho o fato de pensar o artista dentro dessa “condição histórica comum vivida por todos”. Para ela, a história da arte costuma ser muito biográfica, tratando o artista “muito dentro daquilo que é a sua vontade”.

No entanto, explica que um estudo como o dela exigiu muito tempo, e ressalta a importância do apoio que recebeu primeiramente da Fapesp, de outros incentivos que conseguiu ao longo dos anos, e por fim do ano sabático do IEA, que, segundo ela, não forneceu apenas condições materiais para a realização das pesquisas, mas criou espaços para que os seis pesquisadores apresentassem seus trabalhos uns para os outros, e se ajudassem com sugestões ou informações. “O IEA proporcionou um ambiente absolutamente interdisciplinar que também é algo a ser construído dentro da Universidade, para além dos departamentos e para além dos eventos. Nós poderíamos pensar nesse como um dos grandes ganhos do sabático.”


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