Projeto de arrecadação de livros didáticos auxilia estudantes em vulnerabilidade

Criado por estudantes da USP, Desapega entrega kits de materiais didáticos e oferece mentoria preparatória para vestibulares; projeto é embaixador do Movimento LED – Luz na Educação, da TV Globo

 16/03/2023 - Publicado há 1 ano
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O Desapega busca reduzir o desequilíbrio entre jovens de baixa e alta renda nas instituições públicas, tornando-as mais diversas, acolhedoras e inclusivas – Foto: Reprodução/Desapega

 

Aprovado no vestibular e não sabe o que fazer com o material didático? Procurando ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, surgiu o projeto Desapega. A iniciativa faz parte da Enactus, rede mundial formada por universitários, presente em 37 países e em mais de 1.700 universidades. Na Cidade Universitária da USP, a rede foi fundada em 2015 e, atualmente, possui nove institutos parceiros. O projeto está buscando estudantes interessados para se tornarem beneficiados, e lançaram um formulário de interesse disponível neste link.

Hoje, composto por estudantes de diversos cursos de graduação da USP, o Desapega busca reduzir o desequilíbrio entre jovens de baixa e alta renda nas instituições públicas, tornando-as mais diversas, acolhedoras e inclusivas. Dentre os objetivos principais da iniciativa está a expansão de materiais didáticos na preparação para os vestibulares, democratizando o acesso às universidades.

Tudo começou em 2019, em uma disciplina da graduação de Design, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Depois, a discussão sobre democratização da educação virou tema de trabalho de conclusão de curso da Escola Politécnica, mais conhecida como Poli, por meio de um aplicativo de doação de livros, que foi cedido à rede.

Liliane Camargo – Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com Liliane Camargo, estudante de Geografia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, não adianta desenvolver ações que não estejam em diálogo com a comunidade interessada nos serviços. “Recentemente, entramos em contato com o Pimentas, cursinho popular que fica em Guarulhos. Lá, a gente apresentou a ideia do aplicativo, mas a princípio eles não se interessaram muito e começaram a sugerir outras coisas. Então, entendemos que receber só um livro não era o suficiente”, observa. Liliane, atual líder do projeto, conta que estão em contato com alguns cursinhos populares dentro da USP e com escolas do entorno. “Mas não tivemos muitas respostas de interesse por parte da coordenação dessas instituições”, lamenta.

A experiência mostrou ao grupo que estudar vai muito além de folhear um livro e resolver questões. Por isso, o projeto vem desenvolvendo um aplicativo de doação de livros, em conjunto com campanhas publicitárias nos campi da USP  informando postos de arrecadação. Também está em andamento uma plataforma de mentoria, que deverá auxiliar o pré-vestibulando com orientações e acompanhamento psicológico. Sem contar o banco de questões e os simulados, referência aos estudantes na preparação para as provas.

Outro propósito do projeto é promover uma comunicação acessível sobre universidade pública, formas de ingresso e políticas de permanência estudantil. De acordo com os participantes do projeto, são comuns dúvidas como: “quanto vocês pagam de mensalidade para estudar na USP?”. Para eles, isto é reflexo das desigualdades presentes no sistema educacional, sobretudo na educação pública.

Justiça social

Marina Vezzani – Foto: Arquivo Pessoal

Localizada no prédio do Inova USP, a Enactus Cidade Universitária desenvolve outras duas iniciativas: a Lixo ao Luxo, que trabalha com a problemática do lixo na comunidade São Remo, e a Travessa R, vencedora do edital Amigos da Poli, em 2022. O projeto visa à criação de um protótipo de ski nacional para beneficiar a ONG Ski na Rua, também gerida na mesma comunidade São Remo.

Optar por participar das atividades do Desapega é uma escolha carregada de interesses pessoais na hora de se inscrever na rede. Os participantes contaram ao Jornal da USP alguns desses interesses. Marina Vezzani, estudante de Arquitetura e Urbanismo da FAU, relata que o desejo de participar do projeto surgiu após ingressar na USP e tomar consciência que a Universidade agregava perfis mais diversos que os estudantes do cursinho particular onde estudou.

“No cursinho eu via como que não tinha diversidade alguma. Era um padrão absurdo, um padrão socioeconômico, um padrão de cor da pele, um padrão de idade inclusive. Temos que lembrar sempre de querer mudar a educação do nosso País e também diversificar onde a gente estuda”

Promover políticas de justiça social é a maior preocupação da rede, e no Desapega não seria diferente. A partir de soluções inovadoras e construídas em conjunto por estudantes e empresas, as ações tomadas reforçam o compromisso da Universidade em garantir uma educação de qualidade, inclusive àqueles que ainda não ingressaram.

Por isso, desde o ano passado, o Desapega recebe materiais didáticos que serão doados para escolas públicas, cursinhos populares e diretamente a estudantes em situação de vulnerabilidade econômica e social. Já foram quase mil livros arrecadados, levando estudantes a enxergarem a possibilidade de ingresso no ensino superior.

Um livro nas mãos

O grupo vem buscando parcerias com cursinhos particulares, a fim de ampliar o número de materiais arrecadados. Além disso, estão articulando com o Papo Futuroprojeto social voltado à inclusão digital, o oferecimento de equipamentos e chips com dados móveis para pessoas que não têm acesso à internet assim que a plataforma estiver disponível.

Os materiais doados passam por uma seleção pelos membros do Desapega. No processo, é possível estabelecer um padrão de qualidade editorial aos beneficiados. Os livros e apostilas em más condições de uso são enviados a uma cooperativa e transformados em cadernos com papel reciclado. 

Os materiais doados passam por uma seleção pelos membros do Desapega – Foto: Reprodução/Desapega

 

Os participantes também reforçam o poder que os livros proporcionam aos estudantes assistidos. Thiago Estevam, aluno do segundo ano de Arquitetura e Urbanismo da FAU, sabe bem disso. Ele nunca teve a oportunidade de ter um livro nas mãos durante o ensino médio, pois estudava em uma escola técnica sem material pedagógico algum.

Thiago Estevam – Foto: Arquivo Pessoal

Segundo o estudante era comum que a grande maioria dos seus colegas desejasse trabalhar, pois em sua cidade não havia universidades públicas. “A gente não tinha uma educação de qualidade que nos levasse a refletir sobre as coisas. O foco era trabalho, ser profissional. Não tínhamos mentalidade das possibilidades do que é cursar um ensino superior de forma gratuita”, relata o sul-mato-grossense. “Quando eu entrei no cursinho, eu tive a noção do que eu tinha perdido há anos. Foi lá que eu segurei um livro nas mãos e tomei consciência das desigualdades que a educação pública é vítima. Hoje eu entendo que não é só um livro”, acrescenta.

Para o grupo, trata-se de uma missão a possibilidade de ser a ferramenta que poderá mudar as condições de vida de tantos estudantes — muitos dos quais são os primeiros de suas famílias a ingressar no ensino superior. O impacto social potencial inspirou os participantes a submeter o projeto no Movimento LED – Luz na Educação, prêmio da TV Globo que reconhece práticas inovadoras na educação brasileira.

O Desapega foi finalista do prêmio, entre cerca de 2 mil projetos inscritos. “Não estávamos esperando muita coisa, até porque se trata de um projeto que ainda está sendo implementado. Ficamos muito felizes porque aprovaram nossa ideia”, afirmam. O projeto  integra o grupo de embaixadores premium do Movimento LED, e irão participar de uma série na rede Globo apresentando o projeto.

Os participantes contam que pretendem investir na estruturação da plataforma e na comunicação do projeto. Para lidar com os altos custos com desenvolvimento de softwares e com reparação da plataforma, o Desapega segue contatando parceiros a fim de impulsionar ainda mais pré-vestibulandos a ingressarem em universidades públicas de todo o País.

Saiba mais: @desapega.projeto

Com colaboração de Camilly Rosaboni


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