
Durante muito tempo, a existência do documento chegou a ser questionada. Entretanto, a partir de investigações realizadas pela Biblioteca Eletrônica de Manuscritos Antigos e pelo Projeto Lázaro, da Universidade de Rochester, nos EUA, foi descoberto que o catálogo de Hiparco se tornou um palimpsesto, um tipo de papiro no qual os escritos originais são apagados e reutilizados posteriormente para o registro de novas informações. Por esse motivo, os escritos do astrônomo grego permaneceram, até então, perdidos em diferentes coleções de museu.

“Utilizando uma técnica de iluminar o papiro com luzes de várias frequências, os especialistas conseguiram evidenciar o que tinha por trás dos registros superficiais, um romance que falava de astronomia que provavelmente veio de Eratóstenes, um filósofo e matemático grego”, conta Ramachrisna Teixeira, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Após a iluminação, os pesquisadores localizaram no mesmo documento uma parte significativa do catálogo do Hiparco. “Eles encontraram coordenadas de um conjunto muito grande de estrelas, como a constelação da ursa maior, a constelação da ursa menor e a constelação do dragão”, enumera ele.
“Esse catálogo abriu uma nova era na Astronomia, a da ‘matematização’ do céu. Antes, simplesmente se descrevia o céu, mas [a partir dele] se estabeleceu uma matemática por trás que permitia localizar e até mesmo prever a localização de um determinado astro, em um determinado instante”, explica o docente.
Quem foi Hiparco?
Nascido em 190 a.C, em Niceia, atual Turquia, Hiparco foi um astrônomo, geografo e matemático, que transformou a astronomia. Utilizando um instrumento rudimentar de base circular em formato de tubo, Hiparco observou cuidadosamente o céu noturno, e assim construiu um catálogo de aproximadamente mil estrelas.
Até então, se acreditava que as estrelas eram fixas no céu, mas, a partir do catálogo, o astrônomo determinou as reais posições de vários astros, que se tornaram referência para o estudo dos movimentos do Sol, da Lua e de todos os planetas observáveis. De acordo com Ramachrisna, Hiparco também criou um sistema de classificação do brilho das estrelas e ficou perto de provar que a Terra girava em torno do Sol e não o contrário.
Apesar da contribuição histórica, o especialista ressalta que o antigo catálogo não traz nenhum novo dado relevante para a astronomia atual. “Do ponto de vista científico, esse documento não acrescenta tanto para a astronomia de hoje. Mas é uma prova de que Hiparco construiu esse importante catálogo, de que o catálogo realmente existiu”, finaliza ele ao defender que, no futuro, a técnica de imageamento multiespectral de documentos antigos pode revelar ainda mais tesouros atualmente perdidos.