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CTVacinas: imunizante 100% brasileiro pode abrir portas para outras vacinas nacionais
Reportagem especial em quatro partes aborda os desafios de fazer vacinas no Brasil. Nesta matéria, conheça um dos principais centros de desenvolvimento de imunizantes do País, pioneiro ao transpor a fronteira das pesquisas de conceito para a formulação final
Situado em Minas Gerais, o Centro de Tecnologia de Vacinas (CTVacinas) é um polo de biotecnologia em uma área projetada apenas para pesquisas aplicadas, o Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC). “Não priorizamos tanto pesquisa básica, estamos mais voltados para o desenvolvimento em si dos produtos”, conta Natália Salazar, pesquisadora do centro.
Parceria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Minas) e o BH-TEC, a equipe do centro é composta de pesquisadores ligados à UFMG e à Fiocruz, e atualmente tem como principal foco de trabalho a Spintec, uma vacina contra a covid com todas as etapas de pesquisa e desenvolvimento no CTVacinas.
“Nós iniciamos trabalhando principalmente com métodos diagnósticos e algumas vacinas para doenças endêmicas do Brasil, como dengue, zika, chikungunya, doença de Chagas, leishmaniose e malária, esta última em parceria com a USP“, lembra Natália Salazar. Quando surgiu a pandemia, os esforços foram canalizados para a covid-19. “Começamos com diferentes projetos de vacina, cada um aplicando uma tecnologia diferente. E aí, entre os que foram apresentando resultados mais promissores, e caminhando mais rápido, tivemos com a Spintec o melhor resultado”. A vacina recebeu no início de outubro o aval da Anvisa para que sejam iniciados os testes clínicos, fase dos estudos em humanos.
Tanto a vacina da malária quanto a da leishmaniose e a da covid (Spintec) utilizam a tecnologia de proteína recombinante. “Existem outros projetos de vacina com outras tecnologias, mas que ainda estão em fases mais iniciais”, esclarece a pesquisadora.
Natália Salazar - Foto: CT Vacinas
Proteínas recombinantes — Foto: CT Vacinas
Proteínas recombinantes
No campo das vacinas, proteínas recombinantes são aquelas sintetizadas em organismos que não as produzem naturalmente, seres que não são os agentes causadores das doenças para as quais são planejadas as vacinas. São criadas moléculas de DNA ligando-se o gene codificador da proteína de interesse – por exemplo, a proteína spike do vírus da covid, a ser usada na vacina – a um vetor, chamado DNA plasmidial, especialmente desenvolvido para expressar (ou seja, produzir) em grande quantidade a proteína em uma célula hospedeira.
Em geral, as células são bactérias como a Escherichia coli ou leveduras como a Saccharomyces cerevisiae, microrganismos fáceis de serem manipulados e que crescem em grandes volumes, tornando o processo mais barato.
Uma vez produzidas essas proteínas, utilizando sistemas de fermentação em larga escala para as culturas, elas podem ser purificadas e então usadas nas vacinas. As vacinas ensinam o organismo a reconhecer a ameaça sem precisar conter o vírus inteiro. A proteína já é suficiente para estimular uma linha de defesa contra ela – sem nos deixar doentes.
Com informações do CTVacinas
Vacina Spintec — Foto: Graziella Rivelli/CT Vacinas
Vacina verde e amarela - e pioneira
A Spintec é uma bandeira para os pesquisadores envolvidos no CTVacinas por ser uma das pioneiras sendo totalmente desenvolvida no Brasil. “A Spintec tem muito a dizer sobre os desafios de fazer vacina no Brasil por ser a primeira [neste estágio] feita aqui sem dependência de nenhuma tecnologia ou parceria de fora”, relata Natália. “Tivemos que lidar com diversos processos pela primeira vez para fazer com que uma pesquisa que começou dentro de uma universidade virasse um produto. Isso é muito difícil em se tratando de vacinas, porque o nível de exigência é alto. São muitos testes e embasamento para mostrar que o produto é seguro, puro e eficaz”, detalha.
A pesquisadora comenta que os testes são caros, exigem tecnologia de ponta e pessoas extremamente qualificadas. Um desafio, que, superado, pode abrir caminho para outros projetos do tipo. “Acho que todo esse conhecimento adquirido vai facilitar e tornar mais rápidas as coisas quando as vacinas para outras doenças em que já estávamos trabalhando chegarem a esse estágio.”
No futuro, diz a cientista, é bem possível que surjam novas pandemias “e podemos estar muito mais preparados, mais capacitados, com muito mais infraestrutura e investimentos”. Ao menos no CTVacinas, ela vê que já há uma capacidade muito melhor do que havia antes para seguir com projetos do gênero.
Luís Carlos Ferreira, professor e coordenador do Laboratório de Desenvolvimentos de Vacinas da USP, endossa. “Caso tudo corra bem, e acreditamos que sim, a Spintec vai de fato ser a primeira vacina 100% brasileira voltada para a prevenção da covid. Mas aí alguém pode dizer que ‘agora a gente não precisa mais’ [de vacina para covid], mas precisa sim, porque há a necessidade de reforços e sobretudo desse domínio da tecnologia. Para as vacinas que foram usadas aqui na pandemia o Brasil não domina o ciclo completo”, reforça.
Ele exemplifica com o caso da AstraZeneca, em que foi feito um licenciamento para que a tecnologia fosse transferida para o Brasil por meio da Fiocruz. Em geral, quando se faz esse licenciamento, que no caso da AstraZeneca custou 1,3 bilhão de reais, quem paga não tem o direito de alterar a tecnologia, aprimorá-la e, sobretudo, de comercializá-la. “Então a instituição paga muito caro e não tem direito a melhorar aquela tecnologia. E se resolver melhorar, o direito de comercializar é de quem vendeu a licença, não dela.”
Luís Carlos Ferreira - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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Reportagem especial em quatro partes aborda os desafios de fazer vacinas no Brasil. Nesta matéria, conheça as etapas do desenvolvimento e fabricação de imunizantes e saiba em quais delas ainda temos pouca autonomia
Era de colaborações
Outro ponto que coloca o desenvolvimento da vacina Spintec como um modelo e, com sorte, um abridor de portas para vacinas futuras, são suas características colaborativas. “Nós temos convênios entre laboratórios da USP e da Fiocruz e a equipe aqui de Belo Horizonte. Essa parceria é muito importante”, destaca Natália, explicando que o contexto da pandemia foi um incentivo para projetos com esse viés. “Quando começou a pandemia, pesquisadores de diferentes laboratórios se uniram para ajudar uns aos outros.”
Também a pandemia, segundo Natália Salazar, trouxe uma visibilidade nunca experimentada para a área de vacinas. “O mundo inteiro parou para esperar uma vacina da covid. Com isso, os investimentos aconteceram muito mais rápido, e conseguimos realizar todas as análises e testes. Agora nossa plataforma está pronta para outros projetos”, anuncia Natália.
O tempo da ciência, porém, tem uma dimensão mais lenta, se comparado a outros empreendimentos, e que é ainda mais demorado quando o assunto são vacinas, visando à segurança e eficiência. Isso significa que, ainda que a Spintec seja um produto considerado em fase bastante avançada pelos pesquisadores, ainda faltam etapas. Após o desenvolvimento, também é preciso pensar na produção, que ainda não está definida.
“Vamos iniciar a fase de estudos clínicos em humanos, e se a vacina eventualmente tiver os resultados esperados e for aprovada, o registro e a comercialização terão que envolver a colaboração com uma indústria para produção em larga escala e distribuição para a população. A gente produz aqui [no CTVacinas], mas não numa escala suficiente para comercialização nacional”, explica Natália.
Foto: Instituto Butantan
Centro Nacional de Vacinas
O Centro Nacional de Vacinas é um projeto de expansão do CTVacinas que contou com um investimento de R$ 50 milhões do MCTI e R$ 30 milhões do governo de Minas Gerais. A estrutura já começou a ser construída, visando justamente a diminuir a dependência brasileira de tecnologias e insumos estrangeiros.
“Na pandemia, ficou muito claro que o Brasil realmente tinha uma dependência tecnológica enorme. Até mesmo para os kits diagnósticos”, diz Ricardo Gazzinelli, professor da UFMG e coordenador do centro. “Quem teve que sanar esse problema no início foram as universidades, fazendo testagem”. Ele explica que o Ministério e outras instâncias investiram não só na área de diagnóstico, mas também na área de vacinas. O CTVacinas, que existia desde 2016, e está agora sendo transformado em Centro Nacional de Vacinas, se fortaleceu nessa esteira.
Além do desenvolvimento das próprias vacinas, concebidas lá, o centro se dispõe a receber projetos externos e contribuir para que avancem. “Nós não queremos fazer o papel da Fiocruz no Rio, do Butantan em São Paulo ou da Fundação Ezequiel Dias aqui em Minas Gerais. Queremos simplesmente receber um pesquisador, seja de onde for, que tenha uma vacina candidata promissora e precise avançar para os ensaios clínicos. Nossa função é ajudá-lo a transpor o que chamamos de ‘Vale da Morte’, que é passar da universidade para a fase 1.
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