Na Era do Gelo, chuvas torrenciais se concentraram no Nordeste e Amazônia

Estudo com sedimentos coletados na costa brasileira mostra que ocorreram dois padrões de chuva distintos no período entre 70 e 10 mil anos atrás

 08/01/2020 - Publicado há 4 anos
Coleta de sedimentos na foz do rio São Francisco realizada em 2016 durante expedição oceanográfica do navio alemão RV Meteor – Foto: Igor M. Venancio/Divulgação Agência Fapesp

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A análise de 14 amostras de sedimentos coletadas no talude da costa brasileira, zona submersa de transição entre a plataforma continental e a planície abissal, desde o extremo sul do Rio Grande do Sul até o norte da Amazônia, indica que teriam ocorrido dois padrões de chuva distintos no território brasileiro durante o último período glacial, especialmente entre 70 mil e 10 mil anos atrás. Ao norte do rio Doce, que corta Minas Gerais e Espírito Santo, teria havido aumentos recorrentes e significativos de pluviosidade ao longo da chamada Era do Gelo. Abaixo desse curso d’água, que se encontra a cerca de 20 graus de latitude sul, o fenômeno não foi verificado, segundo artigo científico de pesquisadores brasileiros e alemães publicado em dezembro na revista Quaternary Science Reviews.

Nas áreas em que houve reiteradas subidas frequentes dos índices de pluviosidade, que abrangem o litoral do Nordeste e da Amazônia, a temporada de chuvas intensas teria se concentrado no outono e no inverno. No resto do território brasileiro, nas regiões Sudeste e Sul, os dados sugerem que o clima não apresentou essas alterações.  “Estudos anteriores diziam que as elevações frequentes de pluviosidade durante a última glaciação teriam ocorrido em todo o território brasileiro e que as chuvas mais intensas se concentraram no verão”, comenta o geólogo Cristiano M. Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, coordenador do estudo. “Mas os dados do nosso trabalho não corroboram essa visão.”

A composição geoquímica dos testemunhos de sedimentos, como são chamadas essas amostras, foi determinada por análises de fluorescência de raios X e forneceu parâmetros que permitiram inferir o regime de chuvas do passado. De acordo com a proporção de material de origem marinha, como o cálcio, que em sua maioria advém de conchas e de sedimentos de proveniência continental, é possível reconstituir o padrão de pluviosidade de uma região. Quanto mais chuva cai sobre um continente maior é a erosão e o transporte de sedimentos terrígenos, de origem continental, pelos rios até sua foz no oceano. Além de recorrer à análise dos testemunhos, dos quais um deles foi obtido pelos autores do artigo (os demais foram consultados na literatura científica), os pesquisadores rodaram modelos climáticos para recriar o provável regime de chuvas sobre o Brasil durante a última glaciação.

Como não havia nenhuma amostra de sedimentos de um trecho importante do litoral brasileiro, entre o Espírito Santo e a Paraíba, o grupo de Chiessi teve de obter um testemunho que cobrisse esse vazio de dados. O local escolhido para fornecer o material foi a desembocadura do rio São Francisco, na divisa de Sergipe e Alagoas. A bordo do navio alemão RV Meteor, os pesquisadores participaram de uma expedição oceanográfica em 2016 e retiraram uma amostra de sedimentos – um cilindro de 10,4 metros de extensão – de um talude localizado ao largo da foz do rio. “Esse testemunho recebeu sedimentos terrígenos oriundos do rio São Francisco pelo menos durante os últimos 70 mil anos”, diz Marília C. Campos, que faz doutorado sob orientação de Chiessi e é a principal autora do artigo.

Confira aqui o texto na íntegra, por Eduardo Gerarque/Revista Pesquisa Fapesp


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