Marchinhas são registro da memória social e política da Era Vargas

Pesquisadores analisaram o uso de marchinhas e o que suas letras traziam aos carnavais das décadas de 30, 40 e 50

 31/07/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 05/08/2019 as 18:16

Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Os carnavais dos anos 1930, 1940 e 1950 eram embalados e animados pelas marchinhas carnavalescas. Se hoje o samba-enredo é quase fundamental no carnaval, naqueles tempos o povo apreciava, e muito, as marchinhas, dotadas de letras simples, mas bem-humoradas, irônicas e com duplo sentido, contando a história dos fatos do dia a dia, dos costumes, da cultura e também dos acontecimentos políticos da época.

Foto de Getúlio Vargas colorida por Djalma Gomes Netto – retrato oficial de 1930/ Domínio público.

As marchinhas de carnaval eram o espelho da sociedade, telefone sem fio, canal de mensagens divulgadas pelo rádio, potente instrumento de comunicação. Além das marchinhas que fizeram história – quem não conhece Mamãe eu quero? – existem músicas que contam história, memória social e política da época – eis a história como inspiradora da criação musical.

O artigo publicado na revista InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação versa sobre esse assunto, tendo como foco da análise a força da música, da arte, como excelente “fonte de informação sobre a memória política da época”, contando fatos da história pelas letras das músicas que se tornam parte responsável da organização, da elaboração e da construção da memória social brasileira. O objetivo dos autores é o estudo de como as marchinhas de carnaval descrevem e representam o momento das eleições para presidente na chamada Era Vargas, entre 1930 e 1954. Para tanto, foram selecionadas quatro marchinhas de carnaval para observar as relações entre música e memória social na história do Brasil.

Cartaz de campanha de Getúlio Vargas para presidente da República na eleição de 1930 – Foto: Aliança Liberal, via Wikipedia

A música brasileira originou-se da mistura de cantos populares indígenas, de “cadência monótona, severa, rude”, cantos portugueses, “com árias sentimentais e comovedoras”, e cantos africanos, “dando as notas mais vibrantes”. Foi isso que motivou o aparecimento das marchinhas, amadas pelo povo devido ao ritmo cadenciado (verdadeiro espelho social e crônica do cotidiano) e, muitas vezes, contendo conotação política. Mas sempre com o tempero de uma pitada de humor, “no intento de dar leveza a temas político, ideológico e partidário”, popularizadas em grande parte pelo rádio. A popularização do rádio acabou por tornar-se o canal de comunicação do governo federal da Era Vargas, “a música servindo como propaganda política do presidente” nas  eleições de 1930. A disputa entre o paulista Júlio Prestes e o gaúcho Getúlio Vargas tinha o rádio como palco.

As rádios paulistas exerciam seu marketing político tocando marchinhas, como as selecionadas pelos autores do artigo: Comendo Bola, Ge-Gê (Seu Getúlio), A Menina Presidência e Bota o Retrato do Velho, cujos temas são as eleições presidenciais da chamada Era Vargas. Comendo Bola apoiava Júlio Prestes contra o candidato da oposição de Getúlio Vargas, apoiado pela Aliança Liberal. A música Ge-Gê (Seu Getúlio) enaltecia Vargas e A Menina Presidência comentava sobre a sucessão de Getúlio na presidência. Bota o Retrato do Velho “representava um ato memorialístico, pois mantinha constantemente presente a figura de Getúlio”: “O sorriso do velhinho / Faz a gente trabalhar”. Finalizando, os autores reconhecem na música uma linguagem alternativa para a construção da memória social, que traz novos olhares sobre o passado e que auxilia na construção do futuro.

Artigo

PASQUA, C.; MASSONI, L. F.; STUEBER, K. As músicas da Era Vargas e o registro da memória social sobre as eleições presidenciais. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 81-95, 23 maio 2019. ISSN: 2178-2075. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v10i1p81-95. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/incid/article/view/148720. Acesso em: 17 jul. 2019.

Contatos

Cleonice Della Pasqua – Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

nicedupper@hotmail.com

Luis Fernando Herbert Massoni – Doutorando em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

luisfernandomassoni@gmail.com

Ketlen Stueber – Doutoranda em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

ketistueber@hotmail.com

Margareth Artur/ Portal de Revistas da USP

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