Tibor Rabóczkay – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens
O número de citações pode ter algum papel válido na história da ciência, quando estamos interessados em ver a influência consolidada de um determinado cientista ou instituição no progresso do conhecimento científico no decorrer dos tempos. Ao ser aplicado aos tempos recentes ou o presente, porém, a contagem não só perde significado, mas representa grave ameaça ao progresso científico, como mostramos a seguir.
Primeiro. A busca por maior número de citações obriga o cientista a trabalhar em assuntos da moda, independentemente da importância prática ou científica de tais assuntos. Com temas em voga, aumenta a chance do paper ser citado. Essa atitude, porém, prejudica as outras exigências às quais o pesquisador é submetido – a criatividade e a inovação. Assuntos fora das linhas de pesquisa já testadas e em andamento envolvem o risco de insucesso. Isso prejudica o número de papers produzidos e, consequentemente, afeta a carreira do cientista, além de lhe trazer dificuldades para obter as verbas necessárias para prosseguir em suas pesquisas. Correrá também o perigo de perder o emprego ou o regime de trabalho. Lembremo-nos de que já ocorreu de os burocratas e órgãos da imprensa considerarem improdutivos aqueles docentes-pesquisadores universitários que no decorrer de determinado intervalo de tempo, aparentemente, “só” davam aulas. Então, pode parecer prudente deixar as incertezas da inovação e da criatividade real de lado.
Segundo. As áreas de investigação científica, independentemente de sua importância teórica ou prática, têm número de pesquisadores muito diferentes, fato que afeta o número de citações. A simples comparação de citações, portanto, sem levar em conta o número de profissionais atuantes na área, não tem significado.
Terceiro. Muitas vezes a citação é apenas uma formalidade e não reflete mérito. É praxe fazer uma introdução ao paper enumerando – com a indicação da origem – o que já foi feito no assunto até para posicionar a contribuição e a originalidade dos autores. A contribuição histórica, eventualmente, pode receber algum comentário, porém, frequentemente, se reduz a um ato quase contábil.
Quarto. Um paper que apresente um erro pode receber um grande número de citações, pois dificilmente os cientistas da área resistiriam a apontar o erro.
Quinto. Como julgar o mérito de um artigo científico que recebeu apenas uma ou duas citações por ano – mas durante mais de 50 anos? Como comparar a “validade” do trabalho no tempo, com o número de citações? Vale a pena manter o autor nos quadros da universidade? As citações podem não se distribuir uniformemente no tempo. Por exemplo, um artigo tendo por assunto o isolamento do vírus zika, publicado em 1952, pouco citado após a publicação, conta com 23 citações entre 1971 e 2014, e 1.040 nos últimos quatro anos, num total de 1.086 citações até a escrita do presente comentário. O autor possivelmente teria perdido seu emprego, ou seu regime de trabalho, se prevalecessem os critérios burocráticos e ilusionistas.
Sexto. Um artigo submetido a publicação, normalmente, é enviado para um assessor que trabalhe na mesma área. Embora anônimo – teoricamente – sabe-se que não poucas vezes o assessor tenha condicionado o aceite à citação de seus próprios papers. Sugestão geralmente aceita diante da garantia de publicação.
Sétimo. Deve-se mencionar, ainda, os grupos de ajuda recíproca em se citarem. Ou o caso oposto, das omissões entre grupos ou cientistas rivais. Não é fácil detectar artifícios ou uma omissão para os avaliadores. Esses casos só serão percebidos por alguém que necessite consultar em detalhes a matéria citada.
Conclusão: o uso do número de citações para avaliar a importância de um artigo científico – fora do âmbito histórico – não é adequado, pois a única coisa que o número de citações mede com segurança é o número de citações – o resto é fantasia.