Pessoas com deficiências têm tratamento odontológico gratuito na USP

Atendimentos são realizados no Cape, em São Paulo, e incluem pacientes com doenças infecto-contagiosas, sistêmicas e neuromotoras

 18/02/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 20/02/2019 as 12:36
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Atualizado 20 de fevereiro, às 11h43

Atendimento odontológico no Centro de Atendimento de Pacientes Especiais (Cape) da Faculdade de Odontologia (FO) da USP – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

O Centro de Atendimento a Pacientes Especiais (Cape), da Faculdade de Odontologia (FO) da USP, em São Paulo, oferece tratamento odontológico gratuito e completo para pessoas com dificuldade em encontrá-lo em centros públicos e clínicas particulares. O grupo de pacientes atendido engloba aqueles com deficiências físicas e mentais, síndromes de malformação, doenças infecto-contagiosas, como pacientes HIV positivos, e sistêmicas, como cardiopatologia e hepatopatologia.

O centro conta com 12 consultórios, além do centro cirúrgico. O Cape realiza atendimentos nas áreas de prevenção, semiologia (em que sinais não verbais do paciente são analisados), periodontia (análise de tecidos próximos à arcada dentária), dentística, cirurgia, endodontia (em que se analisa a raiz dos dentes e a polpa), prótese dental e ortopedia funcional dos maxilares.

Em média, mil pacientes são atendidos por mês, selecionados por meio de uma triagem anual. Para 2019, a lista já está fechada. Marina Gallottini, professora da FO e coordenadora do Cape, explica que a procura por atendimento é muito grande, não só por sua gratuidade, mas também pela especialização do centro. “Dentistas particulares e centros de especialidade odontológica têm dificuldade em atender pessoas com determinadas doenças.”

Professora Marina Gallotini coordena o Centro de Atendimento a Pacientes Especiais (Cape) da Faculdade de Odontologia (FO) da USP, em São Paulo – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Marilei de Anísio é uma das atendidas no centro da USP. Em setembro do ano passado, ela começou o seu tratamento depois de encaminhamento do Hospital do Rim (Hrim) de São Paulo. “Hoje, eu vim tentar tirar outro dente”, conta sem demonstrar medo. A paciente já extraiu outros dois dentes no Cape. “Não sangrou muito. Fui bem atendida, os profissionais são muito educados.”

Ela conta que tentou tratamento em outros lugares, mas sem sucesso. “Ninguém quer mexer nos meus dentes, nem dentistas particulares, por causa do meu problema nos rins. Eles têm medo. No posto de saúde, demora de seis meses a um ano.” Quando chegou ao Cape, Marilei se sentiu bem assistida pela primeira vez. “Eles nos tratam igualmente, não tem branco, preto, rico ou pobre. Eu acho excelente.”

Thiago Lopes dos Santos, também paciente do Hospital do Rim, elogia a estrutura física do centro. “Tudo de ponta, material de primeira linha, um centro cirúrgico muito bem estruturado”. Morador do município de Cotia, em São Paulo, ele ouviu falar do Cape durante suas viagens até o Hrim. No dia da entrevista, ele faria sua primeira extração dentária. “A doutora é excelente e muito educada. O pessoal da recepção também é muito bacana.”

Especialização que acolhe a todos

O Cape foi idealizado nos anos 1980 pelo professor Ney Soares de Araújo, junto com outros profissionais de saúde, após notarem o aumento de pacientes HIV positivos que procuravam a Faculdade de Odontologia da USP para tratamento dental. “Percebemos que seria bom ter um ambulatório para reunir esses pacientes e conseguirmos mais experiência no tema”, explica Marina. “No início, os dentistas tinham medo de atendê-los porque não sabiam se havia risco de contaminação e como agir caso isso ocorresse.”

No primeiro ano de funcionamento do espaço, os pacientes não se limitaram aos HIV positivos. “Um paciente que viesse com um filho com paralisia cerebral, considerava-o especial. Assim como pacientes que faziam quimioterapia ou que acabavam de infartar, ou ainda que tinham diabete”, relata Marina.

Além de oferecer tratamento, o Cape funciona como um ambiente de formação profissional. Marina Gallottini calcula que, desde a reinauguração nos anos 2000, cerca de 400 alunos já passaram pelo centro como colaboradores, são de 60 a 80 estudantes por ano.

Para conseguir a vaga, o pós-graduando deve se inscrever no programa de atualização da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP e realizar uma avaliação. São necessários também documentos que comprovem a atuação como cirurgião-dentista. “Todos têm a chance de se aprimorar. Mas sempre prezamos pela excelência do atendimento ao paciente”, afirma a coordenadora.

A doutoranda Marília Andrade Figueiredo faz parte do grupo de profissionais que atuam no Cape. Ela havia trabalhado no espaço antes, enquanto fazia seu mestrado. Especializada em pacientes com doenças renais crônicas, a doutoranda aponta que esse grupo de pessoas encontra dificuldade em clínicas comuns por usar coagulantes. “Não só a doença sistêmica afeta os dentes, mas o problema dental pode piorar a doença sistêmica do paciente”, explica.

Prédio do Cape fica na Faculdade de Odontologia da USP, dentro do campus Cidade Universitária, no Butantã – Foto: Divulgação

Por causa disso, muitos chegam com condições bucais precárias e precisam de tratamento completo. Para a doutoranda, trabalhar no Cape foi uma das condições que redirecionaram seu plano de carreira. “Ouvir do paciente que você tirou a dor dele ou que melhoramos o seu sorriso, é extremamente gratificante.”

É com a mesma gratidão que a também doutoranda Nathália Andrade atua no centro. Natural do Piauí, ela veio a São Paulo justamente pela possibilidade de trabalhar com pacientes odontológicos especiais. “A professora me propôs tratar pacientes com doença renal crônica que estejam fazendo hemodiálise”, conta. No início, ela atendia os que faziam parte do Cape, mas percebendo que eles tinham uma condição bucal boa, decidiu expandir os atendimentos.

O resultado de seu esforço aparece no retorno que recebe de seus pacientes. “Eles são muito agradecidos. Estou fazendo meu trabalho de doutorado, que me propus a fazer, minha obrigação, e eles me agradecem por atendê-los.” O doutorado de Nathália termina em março. Ela voltará para seu Estado com o primeiro título de especialista em odontologia para pacientes especiais, reconhecido pelo Conselho Federal de Odontologia. Sua expectativa é que a área se expanda no Piauí. “Depois que eu vim para cá, outros colegas começaram a fazer essa especialidade também.”

Para a coordenadora do Cape, um dos objetivos do centro é formar profissionais mais completos, para ajudar no tratamento de pacientes considerados “normais” em termos de saúde dentária. “A atuação junto a pacientes com deficiência dá ao dentista uma noção mais real de sua importância como profissional da saúde, não como um profissional técnico ou que tenha um foco direto à estética. Tudo isso é importante, mas ele tem que saber como a boca do paciente vai interferir no equilíbrio do indivíduo como um todo.”

A triagem para novos pacientes é realizada anualmente. Para mais informações, entrar em contato pelo telefone (11) 3091-7838 ou e-mail cape@usp.br


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