Professora da USP participa de nova edição de “Úrsula”

Publicado em 1859, romance de Maria Firmina dos Reis inaugurou a literatura afro-brasileira

 05/12/2018 - Publicado há 5 anos
A escritora maranhense Maria Firmina dos Reis – Foto: via IEA

Considerado o livro inaugural da literatura afro-brasileira, por dar voz e atuação a personagens negras, o romance Úrsula, da maranhense Maria Firmina dos Reis (1825-1917), publicado em 1859, agora tem edição lançada pela Penguin & Companhia das Letras. O volume tem meticuloso estabelecimento do texto feito pela historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em período sabático no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

O romance figura entre as primeiras obras de autoria feminina do País, segundo Maria Helena, também responsável pela introdução do livro. A edição conta ainda com cronologia elaborada pelo historiador Flávio dos Santos Gomes, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O enredo trata do amor entre Tancredo e Úrsula, “jovens puros e altruístas, com as vidas marcadas por perdas e decepções familiares, que se apaixonam tão logo o destino os aproxima, mas se deparam com um empecilho para concretizar seu amor”, resume Maria Helena.

Edição

Para não descaracterizar a escrita da autora, o estabelecimento do texto teve o cuidado de mantê-lo o mais próximo possível do original, segundo a historiadora. O texto foi cotejado com o fac-símile da primeira edição e apresenta atualização da grafia, padronização da pontuação indicativa de falas e pensamentos; correção de erros tipográficos e, eventualmente, gramaticais, como concordância e conjugação verbal. “No mais, seguimos as escolhas da autora, preservando a colocação pronominal, a pontuação, assim como a substituição dos topônimos por asteriscos.”

A professora Maria Helena Pereira Toledo Machado: “Firmina foi uma mulher que ultrapassou todas as barreiras raciais, sociais e de gênero” – Foto: via IEA

De acordo com Maria Helena, foi só nos anos 70 do século 20 que o romance e a sua autora começaram a ter visibilidade crescente. Na época, o bibliófilo e colecionador Horácio de Almeida encontrou, num lote de livros que comprara, um exemplar de Úrsula.

Com essa redescoberta, foi lançada uma edição fac-similar em 1975, patrocinada pelo governo do Maranhão, em comemoração dos 150 anos de nascimento de Maria Firmina. No mesmo ano, o intelectual negro e ativista maranhense José Nascimento Morais Filho publicou o livro Maria Firmina: Fragmentos de uma Vida, que incluiu minuciosa pesquisa sobre a vida da escritora, as músicas que compôs (letras e partituras) – entre elas, o Hino à Libertação dos Escravos, de 1888 – e o Álbum, compilação de anotações pessoais de Maria Firmina.

Úrsula teve outras quatro edições antes da atual: em 1988, por ocasião do Centenário da Abolição, em 2004, 2009 (celebrando os 150 anos da primeira edição) e 2017.

Tema de pesquisa

Maria Helena comenta na introdução que, em meados dos anos 2000, a autora tornou-se tema de pesquisa nos programas de pós-graduação, “adquirindo novas características e dando início a uma notável tendência ascendente” sobre a obra de Maria Firmina. “Desde então, mais de uma dezena de dissertações e teses, provenientes das áreas de literatura, história, sociologia e estudos culturais, foi escrita.”

Os estudos dedicados a Úrsula destacam o caráter excepcional da construção narrativa proposta pela romancista, afirma a historiadora. “O fato de a autora ter alçado escravizados a personagens que refletem sobre si mesmos, apresentando uma narrativa de suas vidas opressivas, sempre chamou a atenção. A escritora insuflou neles uma consciência que está ausente nas figuras principais do romance.”

Maria Helena ressalta que novas pesquisas e abordagens vêm consolidando um lugar único de Maria Firmina na história e na cultura brasileiras. “O lugar de uma mulher que lucidamente ultrapassou todas as barreiras raciais, sociais e de gênero, mostrando ao mundo que mulheres negras e homens negros têm consciência e agência históricas, sendo capazes de, com suas vozes, desfazer as teias da opressão e do silenciamento geradas pela escravidão e pela exclusão.”

Maria Firmina dos Reis

O livro de Maria Firmina dos Reis – Foto: Reprodução

Nascida em São Luís, na então província do Maranhão, em 1825, filha ilegítima de pai negro, Maria Firmina pertencia a uma família de poucas posses. Tornou-se professora primária aos 22 anos em outra cidade do Maranhão, Guimarães, onde fora morar aos cinco anos. Lecionou até 1881. Um ano antes de deixar o magistério, criou uma sala mista, fato que chocou setores da comunidade local. Morreu na mesma cidade, aos 92 anos. Criou 11 crianças, entre adotadas e afilhadas, algumas filhas de escravos.

Seus outros trabalhos literários são o romance indianista Gupeva (1861), o conto abolicionista A Escrava e vários poemas, publicados em jornais maranhenses. Participou da antologia poética Parnaso Maranhense, em 1861 e, dez anos depois, reuniu seus poemas em Cantos à Beira-Mar. Maria Firmina também compôs músicas (letras e partituras) e escreveu um diário.

Mauro Bellesa, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP


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