Estudo explica como a luz provoca danos em membranas biológicas

Mecanismo de foto-oxidação de lipídios envolve o acúmulo de aldeídos

 15/08/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 22/08/2018 as 18:45
Foto: Adriana Popovich via Pixabay – CC

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Alimentos estragados, câncer de pele e terapia fotodinâmica têm algo em comum: um processo chamado oxidação de membranas lipídicas. Todas as células são envolvidas por uma membrana que tem entre suas funções definir os limites da célula, separando o interior do exterior, e delimitar compartimentos internos. Os fosfolipídios são as moléculas que formam a base estrutural dessa membrana e tendem a sofrer oxidações (degradação), podendo tornar as membranas permeáveis e provocar a morte celular. Quando essas oxidações são induzidas por luz, elas são chamadas de foto-oxidações. Nesse processo são importantes moléculas intermediárias chamadas fotossensibilizadores, que são compostos cuja estrutura é diretamente alterada pelos fótons de luz. No caso melhor caraterizado, quando os fotossensibilizadores são ativados pela luz, eles transferem essa energia para o oxigênio molecular, produzindo uma forma muito reativa – o oxigênio singlete – que por sua vez oxida e modifica a estrutura dos fosfolipídios das membranas biológicas.

Apesar da a oxidação das membranas mediada pelo oxigênio singleteser normalmente considerada o mecanismo mais importante da foto-oxidação de lipídios, ela não explica alguns dos fenômenos observados. Agora, um estudo do grupo do professor Maurício da Silva Baptista, do Instituto de Química (IQ) da USP e do Cepid Redoxoma, publicado em julho no Journal of the American Chemical Society (JACS), aponta novos detalhes sobre o processo, envolvendo um tipo de moléculas chamadas “aldeídos lipídicos”. Essas moléculas são formadas em processos que dependem do contato direto entre fotossensibilizadores e os fosfolipídios, e não pelo oxigênio singlete. Desta forma, o estudo explica, em nível molecular, por que fotossensibilizadores ligados à membrana destroem células com maior eficácia.

“Nosso trabalho pode fornecer diretrizes mecanísticas para novos desenvolvimentos em fotomedicina e fotoproteção. O conhecimento gerado por esse estudo, que é  centrado em ciência básica, indica várias possibilidades em termos de aplicação. Por exemplo, se quisermos ter um fotossensibilizador mais eficaz, temos que encontrar novas maneiras de regenerá-lo. Como estratégia para o desenvolvimento de filtros solares mais eficientes, precisamos criar um jeito de evitar que os aldeídos se acumulem”, afirmou Baptista.

O estudo foi realizado como projeto de doutorado de Isabel Bacellar, primeira autora do artigo, e contou com a colaboração dos pesquisadores do CEPID Redoxoma Paolo Di Mascio e Sayuri Miyamoto. O trabalho também contou com os grupos dos professores Ronei Miotto e Rodrigo Maghdissian Cordeiro (Universidade Federal do ABC), do professor Gonzalo Cosa (McGill University, Canadá) e do professor Mark Wainwright (Liverpool John Moores University, Reino Unido).

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Oxidações fotoinduzidas e aldeídos

Para aprofundar nas reações e os compostos que levam à permeabilização fotoinduzida da membrana, os pesquisadores usaram dois fotossensibilizadores diferentes, o azul de metileno e o DO15. Os dois compostos têm propriedades semelhantes e são quimicamente similares. Porém, elas interagem de forma diferente com as membranas e produzem diferentes tipos de dano.

Para separar os efeitos do oxigênio singlete daqueles das reações dependentes de contato, eles desenharam experimentos nos quais ambos os fotossensibilizadores entregaram quase a mesma quantidade de oxigênio singlete para as membranas. Dessa forma, a diferença observada na foto-oxidação com os dois fotossensibilizadores pode ser atribuída à extensão do contato físico entre as moléculas de fotossensibilizador e os fosfolipídios das membranas.

Ao compararem os efeitos dos corantes, constataram que o DO15 permeabilizou as membranas significativamente mais rápido do que o azul de metileno, o que condiz com o fato de que o DO15 tem uma co-localização com membranas lipídicas muito maior do que o azul de metileno. Os pesquisadores, então, identificaram e quantificaram todos os produtos gerados pelos fotossensibilizadores com o objetivo de entender o mecanismo pelo qual o DO15 foi mais eficiente em permeabilizar as membranas. O achado mais importante foi que havia um aumento significativo na produção de aldeídos na presença do DO15.

Embora já tenha sido demonstrada a presença de aldeídos em sistemas similares, esta foi a primeira vez que eles foram detectados durante a permeabilização de membranas induzida por luz.

“Nossos resultados são os primeiros que associam definitivamente a permeabilização da membrana com a geração e acúmulo de aldeído in situ”, afirmou Baptista.

Outro resultado importante do estudo foi verificar que a permeabilização da membrana foi invariavelmente acoplada à degradação do DO15, ou seja, um processo chamado no jargão de “fotobranqueamento”.

No desenvolvimento de novos fotossensibilizadores para uso em aplicações médicas, por exemplo, a produção de oxigênio singlete tem sido considerada o principal parâmetro. No entanto, os resultados deste trabalho demonstram que, para um fotossensibilizador comprometer totalmente a função da membrana, ele precisa ser sacrificado por meio de reações que dependem de contato. Assim, a ativação ou a supressão da regeneração do fotossensibilizador poderia ser explorada como uma ferramenta eficaz para maximizar ou evitar os efeitos das oxidações fotossensibilizadas.

O artigo Photosensitized membrane permeabilization requires contact-dependent reactions between photosensitizer and lipids, de Isabel Bacellar, Maria Cecília Oliveira, Lucas Dantas, Elierge Costa, Helena Couto Junqueira, Waleska Kerllen Martins, Andrés M. Durantini, Gonzalo Cosa, Paolo Di Mascio, Mark Wainwright, Ronei Miotto, Rodrigo Maghdissian Cordeiro, Sayuri Miyamoto e Maurício S. Baptista, pode ser lido por assinantes em https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/jacs.8b05014

(Texto adaptado de Maria Celia Wider)


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