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Programa da USP auxilia mães e pais pesquisadores durante a pandemia

Programa Mãe e Pai Pesquisadores já contemplou 15 pós-graduandos com suplementação das bolsas concedidas por agências de fomento

 03/11/2021 - Publicado há 3 anos

Texto adaptado de Luana Siqueira e Rodrigo Correia do Amaral

Como parte dos esforços de mitigar os impactos da pandemia de covid-19, a USP promove o Programa Mãe e Pai Pesquisadores, destinado aos bolsistas dos programas de pós-graduação em licença maternidade, paternidade e adoção. Com a iniciativa, a Universidade tornou-se a primeira instituição de ensino e pesquisa do país em que as estudantes mães recebem seis meses de licença-maternidade remunerada e os estudantes pais, um mês de licença-paternidade remunerada. 

O programa, instituído em setembro de 2020 numa parceria entre a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) da USP e o Escritório USP Mulheres, suplementa as bolsas concedidas pelas agências de fomento (Capes, CNPq e Fapesp) dos pesquisadores que se tornaram mães e pais durante a pandemia, nos anos de 2020 e 2021. O valor da suplementação é a mesma das bolsas e é pago ao final do período de financiamento, previamente ao depósito da tese ou dissertação. 

Foram concedidas 15 bolsas até o momento para onze estudantes mulheres de doutorado e três de mestrado, além de um aluno homem de doutorado, distribuídos em quatorze das 42 unidades de ensino e pesquisa. O total de recursos aportados é de R$ 70.957,80.

Bolsistas contemplados no Programa Mãe e Pai Pesquisadores

UnidadeCursoBeneficiáriosgêneroAgênciaSuplementação
Faculdade de Medicina de Ribeirão PretoMestrado1FemininoCNPqdez 2020 e jan 2021
Escola de Engenharia de LorenaDoutorado2FemininoCapesjan e fev 2021
Instituto OceanográficoDoutorado1FemininoCapesfev e mar 2021
Instituto de FísicaDoutorado1FemininoCapesmar e abr 2021
Instituto de Astronomia e GeofísicaDoutorado1FemininoCNPqabr e mai 2021
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão PretoDoutorado1FemininoFapespmai e jun 2021
Faculdade de Zootecnia e Engenharia de AlimentosDoutorado1FemininoFapespmai e jun 2021
Faculdade de Saúde PúblicaMestrado1FemininoCapesjul e ago 2021
Faculdade de Saúde PúblicaDoutorado1FemininoCapesjul e ago 2021
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências HumanasDoutorado1FemininoFapespjul e ago 2021
Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São CarlosDoutorado1FemininoCapesset e out 2021
Faculdade de Medicina Veterinária e ZootecniaMestrado1FemininoCapesout e nov 2021
Instituto de Pesquisas Energéticas e NuclearesDoutorado1MasculinoCapesnov 2021
Instituto de BiociênciasDoutorado1FemininoCNPqdez 2021 a jan 2022

Em julho deste ano, uma chamada especial do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) também foi direcionada às alunas da pós-graduação que fossem mães, cuidadoras ou gestantes durante a pandemia, e que não possuíssem bolsa de pesquisa. Na iniciativa, denominada Mães Pesquisadoras, a PRPG selecionou 100 candidatas de diferentes unidades para o recebimento de bolsas no valor unitário de R$ 685,90 pelo período de cinco meses. Cobrindo um público mais amplo de não-bolsistas, a ação destinou R$ 342,9 mil para a mitigação dos desafios que as mães estudantes de pós-graduação têm enfrentado durante o isolamento social.

Adriana Alves, professora do Instituto de Geociências que assumiu a coordenação do Escritório USP Mulheres desde o dia 6 de outubro, destaca que iniciativas como essa começam a surgir em diversas universidades e comemora a premiação do grupo Parent in Science que acaba de receber o Prêmio Nature de iniciativas para mulheres. “A USP começa a enfrentar a questão não apenas com a concessão dos auxílios complementares a pais e mães da pós-graduação, como também por editar resoluções e portarias de efeito imediato e concreto. Por exemplo, a prorrogação por um ano do credenciamento de docentes em licença maternidade nos programas de pós-graduação e o indicativo de que a comissão responsável pela avaliação dos regimes de trabalho leve em consideração a parentalidade para avaliações durante as restrições impostas pela covid-19”, explica.

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Adriana Alves, professora do Instituto de Geociências e coordenadora do Escritório USP Mulheres- Foto: Arquivo pessoal

Pós-graduação e parentalidade

A chegada de um filho muda completamente a dinâmica da família e impõe muitos desafios aos pais. Durante a pandemia de covid-19, sem poder contar com o suporte de familiares e amigos, e com o fechamento de creches, exercer a maternidade e a paternidade tornou-se ainda mais difícil. 

As dificuldades, porém, se dão de maneiras distintas entre mulheres e homens. A rotina dedicada aos cuidados domésticos e das crianças impacta sobretudo a vida das mulheres, pois são elas as principais responsáveis por tais atividades no interior dos diversos arranjos familiares. Na universidade, essas desigualdades se refletem na produtividade científica das mulheres e, consequentemente, nas suas carreiras, que acabam sendo mais afetadas do que as dos homens.

Esse descompasso entre os gêneros na USP já vinha sendo monitorado pelo Escritório USP Mulheres, mesmo antes da pandemia, como parte dos esforços de identificar e combater as desigualdades de gênero na comunidade universitária. O Escritório tem buscado dados, quantitativos e qualitativos, sobre a situação das mulheres da USP, destinados ao subsídio de debates na comunidade e à construção de proposições que mudem estruturalmente as condições de gênero na Universidade.

Com o apoio do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (Egida), a área de Pesquisas do Escritório USP Mulheres mapeou o perfil das beneficiárias e beneficiários de licenças parentais na Universidade. Os dados levantados demonstraram que, num período de dez anos, entre 2009 e 2019, as maiores usuárias de licença-maternidade são as estudantes da pós-graduação, seguidas pelas servidoras técnico-administrativas e, por fim, pelas servidoras docentes. 

Foto: 123RF

Ao explorar mais esse cenário das mulheres da USP que se tornaram mães, o Escritório identificou um desencontro entre os períodos de licença concedidos pela USP e pelas agências de fomento. As servidoras da Universidade, tanto docentes quanto não-docentes, usufruem seis meses de licença remunerada. Já as estudantes de pós-graduação que são bolsistas recebem quatro meses de licença das agências de fomento, embora o artigo 47 do Regimento de Pós-Graduação da USP (Resolução nº 7.493, de 27 de março de 2018) estabeleça a possibilidade de alunos usufruírem de licença-maternidade pelo prazo de até seis meses e paternidade por vinte dias. Dessa forma, as pesquisadoras que desejassem usufruir um período maior, teriam de fazê-lo sem remuneração.

Para Adriana Alves, os dados coletados pelo Egida e tratados pelo pesquisador Rodrigo Correia do Amaral, do USP Mulheres, jogam importante luz sobre a temporalidade das ações para diminuir as desigualdades baseadas em gênero. “Ao se tornarem mães e pais, principalmente durante sua formação, estudantes de pós-graduação sofrem os efeitos negativos da parentalidade sobre a sua produtividade científica, com reflexos na sua progressão para a docência em nível superior”, destaca Adriana. “Nesse sentido, medidas que contribuam para dirimir tais efeitos devem mirar, principalmente ainda que não exclusivamente, os níveis de pós-graduação e ingresso na carreira docente”.

Primeiras mães contempladas

Entre as primeiras contempladas pelo Programa Mãe e Pai Pesquisadores, estão as pesquisadoras Carolina Costa de Araújo e Lenise Freitas Mueller da Silveira, ambas alunas de doutorado e mães de primeira viagem que já receberam a extensão do período da bolsa.

Carolina é integrante do programa de pós-graduação em Oceanografia e teve seu primeiro filho meses antes do início da pandemia. Quando terminaram os quatro meses de licença-maternidade concedidos pela agência de fomento, ela já não podia voltar ao laboratório para concluir sua pesquisa em virtude do isolamento social. “Foi muito difícil. Minha licença tinha acabado, eu me organizei para voltar para a USP e tudo fechou”, conta.

Em casa, acumulando as atividades do doutorado e os cuidados com o bebê, Carolina precisou pedir prorrogação do prazo de sua pesquisa por mais um ano. Orientada pela secretária do seu programa de pós-graduação, ela se inscreveu também no Programa Mãe e Pai Pesquisadores, para obter a concessão de mais dois meses de licença-maternidade remunerada. Além de obter a extensão do período da bolsa, a doutoranda também participou do PAE – Mães Pesquisadoras.

Carolina Costa de Araújo e Lenise Freitas Mueller da Silveira, doutorandas na USP que receberam suplementação de bolsa - Foto: Arquivo pessoal

Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), do campus da USP em Pirassununga, Lenise tornou-se mãe no meio da pandemia de covid-19, em 2020. Para manter-se em segurança, ela interrompeu os trabalhos de campo e contou com a ajuda de colegas. Para ela, o trabalho de pesquisa, realizado em casa, a partir de determinado momento não foi produtivo pelas questões trazidas pela pandemia, pela gestação e pelos cuidados com o bebê.

Assim como a colega da Oceanografia, ela solicitou prorrogação de seis meses para a conclusão de sua pesquisa. Para se inscrever no Programa Mãe e Pai Pesquisadores, ela contou com a ajuda do coordenador do seu programa de pós-graduação “Eu consegui me inscrever, foi super fácil. Caiu como uma luva, foi muito importante porque tinha acabado a minha bolsa e eu estava com a bebê.” A pesquisadora defendeu a tese em julho.  

Embora reconheçam que a maternidade é um tema difícil dentro dos programas de pós-graduação, com pouca informação e conversa sobre os direitos de licença, ambas as pesquisadoras relatam que tiveram apoio e compreensão por parte de suas orientadoras, também mulheres.

Em busca de uma política permanente

Programa Mãe e Pai Pesquisadores, instituído de maneira emergencial em virtude da pandemia, está em fase de avaliação pelo Escritório USP Mulheres e pela PRPG para que se torne uma política permanente na USP. A expectativa é que também o programa PAE especial seja mantido, como parte de um conjunto de medidas para a construção de uma Universidade mais justa, equânime e acolhedora.

“A questão urgente de uma ação política institucional e a justeza de processos seletivos e de progressão baseados em excelência precisam se moldar às subjetividades e diferenças de oportunidade de pessoas oriundas de diferentes realidades, sejam essas últimas ligadas à parentalidade, raça ou origem social”, ressalta Adriana sobre a necessidade de uma mudança cultural necessária no ambiente acadêmico. 


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