Blog
Fachada do prédio da Faculdade de Direito – Foto: Cecília Bastos/ USP Imagens
Professoras da USP querem estimular liderança das mulheres no Direito
Nova disciplina Direito e Equidade de Gênero oferecida pela Faculdade de Direito da USP será transmitida pela internet e poderá ser acompanhada pelo público externo
12/08/2020
A Faculdade de Direito (FD) da USP, em São Paulo, uma das mais tradicionais do País, demonstra como o ambiente acadêmico no Direito ainda é predominantemente masculino. Criada em 1827, juntamente com os cursos jurídicos no Brasil, em quase 200 anos de existência apenas uma mulher exerceu o cargo de diretora: a professora Ivette Senise Ferreira (1998-2002). A presença feminina no quadro de professores também não é expressiva: dos 152 docentes, apenas 27 são mulheres. E entre os 40 titulares, elas são apenas quatro.
Para estimular a naturalização da liderança feminina no direito, um grupo de professoras da FD oferece, a partir do dia 19 de agosto, uma disciplina optativa de graduação sobre o tema. A novidade é que além dos alunos da USP, qualquer pessoa poderá acompanhar as aulas pelo canal no YouTube da faculdade. O encerramento está previsto para o dia 2 de dezembro. Essa será a primeira disciplina da Faculdade de Direito a ser aberta on-line. Além disso, haverá participação de estudantes de Direito da Unesp.
A disciplina será lecionada pelas professoras Nina Ranieri, Ana Eliza Bechara, Sheila Cerezetti e Susana Costa, e terá como colaboradoras as professoras Paula Forgioni e Eunice Prudente. Contará ainda com a participação das ouvidoras de gênero Mariangela Magalhães, da Faculdade de Direito (FD) da USP, e Eliana Franco Neme, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP.
Serão abordados três eixos: a equidade de gênero na academia, trazendo conceitos-chave na área, lideranças femininas e equidade de gênero no mercado de trabalho. Também será trabalhado o direito das mulheres no Brasil. Por fim, será realizada uma cartilha sobre equidade de gênero, na qual haverá um manual de cuidado de gênero. A matéria pretende trazer uma análise mais acadêmica ao tema, além de incentivar a produção de artigos.
As aulas contarão com a participação de convidadas. No primeiro eixo, terá o apoio da Ouvidoria de Gênero da Faculdade de Direito, com a “Rede Não Cala!”, que explicará noções sobre o que é assédio. No segundo eixo, abordará as lideranças femininas nos âmbitos executivo, legislativo e judiciário, com a participação de mulheres e homens da área. Uma das convidadas será a deputada Tabata Amaral (PDT-SP).
Ocupação de espaços
A professora Ranieri explica que no ambiente acadêmico a diferença de gênero se torna mais visível a partir da docência. “A primeira mulher a estudar na Faculdade de Direito da USP só o fez no início do século 20, quase 100 anos depois de sua criação. E uma das primeiras doutoras da faculdade é a Esther de Figueiredo Ferraz, que terminou seu doutorado no começo de 1960”.
Ela complementa: “é uma faculdade eminentemente masculina. Só tem quadro de homem na faculdade, agora, existem dois de mulher. Aos pouquinhos, vamos avançando, mas é muito tarde. Pensar que estamos no ano 2020 e começar isso agora. Mas antes tarde do que nunca.”
A proposta do curso surgiu como uma demanda interna de estudos de gênero, sobretudo em relação às interações de gêneros nas salas de aula da Faculdade de Direito. “Era um assunto que estava latente e quando surgiu oportunidade esse interesse apareceu, tanto por parte dos alunos quanto por parte das professoras que estavam interessadas em promover esse tipo de estudo”, conta a professora.
Paralelamente, o diretor da FD Floriano de Azevedo Marques Neto constituiu uma comissão permanente de esforço contra o preconceito, atualmente presidida pela professora Nina Ranieri. “No âmbito da comissão, achamos que seria interessante, ao invés de apenas fazer eventos, seminários e workshops sobre equidade de gênero, criar a disciplina, porque assim haveria regularidade, um tratamento acadêmico da matéria, incentivando pesquisas.”
Nina Ranieri - Foto: Marcos Santos/ USP Imagens
Nina Beatriz Stocco Ranieri é professora da Faculdade de Direito da USP e especialista em Teoria Geral do Estado e Direito Educacional, no qual também estuda equidade de gênero na academia. Também é coordenadora da Cátedra UNESCO de Direito à Educação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, além de sócia efetiva do Movimento Todos pela Educação.
No semestre passado, foi criada uma disciplina de pós-graduação também sobre equidade de gênero dentro da academia. A disciplina contou com dois homens e 25 mulheres, que realizaram um trabalho empírico sobre a equidade de gênero na pós-graduação. “Nós ainda não analisamos todas as pesquisas em conjunto, mas o material certamente vai nos levar a outras linhas de pesquisa”, destaca Ranieri.
Após a experiência bem-sucedida da disciplina de pós, era hora de estruturar uma optativa oferecida para a graduação. Segundo Ranieri, os principais objetivos da matéria são suprir as demandas internas da academia sobre equidade de gênero e incentivar o protagonismo, de modo a sensibilizar a Faculdade de Direito sobre a falta de representatividade.
O objetivo é propiciar conhecimentos e referencial teórico a respeito das relações entre o direito e a equidade de gênero. A ideia central é construir conhecimento sobre os processos de exclusão e discriminação das mulheres na sociedade, levando-se em consideração que o Direito constitui instrumento com potencial para suprimir e transformar positivamente situações de desigualdades entre homens e mulheres, além de legitimar, estruturar, ampliar, multiplicar ou ignorar tais desigualdades.