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Surgido em 2010, o Núcleo de Agroecologia Nheengatu visa a encontrar soluções para a agricultura sustentável, com especial foco na agricultura familiar, na função social da terra e nas questões socioambientais. Composto de graduandos, professores e pós-graduandos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, o núcleo inclui sete grupos com estruturas e funcionamento distintos, mas que atuam de forma integrada.
Segundo Bruna Almeida, que participa de dois grupos do Nheengatu, a maneira como o coletivo opera tem inspiração nas tendências internacionais de unir diferentes visões para buscar soluções. “[A estrutura do núcleo] casa com a nova proposta da Pró-Reitoria de Graduação a respeito da interdisciplinaridade e da resolução de problemas do mundo real”, explica a estudante de Ciências Biológicas.
Dentre atividades de formação, de extensão e de pesquisa, o núcleo promoveu, no último ano, aulas teóricas e práticas, abertas à comunidade interna e externa do campus, visando a ampliar a discussão em agroecologia. Estudantes e agricultores tiveram a oportunidade de aprender, juntos, sobre temas como cooperativismo e permacultura, que é um “sistema de planejamento para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza”, segundo o site Permacultura UFSC.
Um dos principais focos do núcleo dá-se no Assentamento Milton Santos, na cidade de Americana, interior de São Paulo. Os grupos que compõem o Nheengatu promovem com os assentados atividades de produção de ovos caipiras e de hortaliças orgânicas, além de ações relacionadas à identidade social nos jovens. Paralelamente, o núcleo promove atividades junto à Cooperativa de Produtores Agropecuários do Município de São Pedro (Coopamsp), cidade a 40 quilômetros da Esalq.
No campo da pesquisa, o núcleo debruça-se especialmente nos “gargalos à evolução de sistemas de produção de base agroecológica na região de Piracicaba”, com foco na agricultura familiar. O Nheengatu investiga temas como café e banana em agrofloresta e hortas urbanas em Piracicaba, além de promover diversos outros estudos.
Para o professor Carlos Armênio Khatounian, coordenador do núcleo, a discussão e o envolvimento com a agroecologia na Esalq ainda são minoritários, mas estão em crescimento. “Iniciativas como a do Nheengatu são muito positivas para a atualização do pensamento acadêmico nas escolas de ciências agrárias, e contribuem para a incorporação das questões ambientais e sociais na agricultura brasileira das próximas décadas”, aponta o docente do Departamento de Produção Vegetal.
Os grupos
Alguns dos grupos que compõem o Núcleo Nheengatu existem há muito mais tempo do que o coletivo em si. É o caso do Pirasykawa, que surgiu em 1995. Desde então, mais de 140 estudantes foram treinados na prática e no estudo de sistemas agroflorestais (SAF) — “consórcios de culturas agrícolas com espécies arbóreas que podem ser utilizados para restaurar florestas e recuperar áreas degradadas”, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Os membros do grupo conduzem no campus da Esalq dois SAF, sendo um de manejo manual e outro mecanizado. Além disso, o Pirasykawa também atua na implantação de SAF no município de São Pedro e de quintais agroflorestais no Assentamento Milton Santos.
Atuando também no assentamento localizado na cidade de Americana, o grupo Terra (Territorialidade Rural e Reforma Agrária) surgiu no final de 2006, com o objetivo de “contribuir com o desenvolvimento sustentável de assentamentos de reforma agrária no Estado de São Paulo”. Desde junho de 2008, o grupo atua diretamente no Assentamento Milton Santos, que se estrutura como um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS).
A estudante Bruna Almeida é uma das integrantes do grupo Terra, que funciona sob a orientação dos professores Paulo Moruzzi e Ademir de Lucas. Com sua participação no Organismo de Controle Social (OCS), que visa ao reconhecimento orgânico da produção, a graduanda da USP em Piracicaba entra em contato direto com os assentados e suas atividades produtivas e cotidianas.
Uma de suas ações dentro do assentamento foi o desenvolvimento de um projeto sobre gênero e liderança, que teve foco na visibilidade do trabalho feminino naquele contexto. Dentro do Terra, Bruna pôde “desenvolver aptidões e conhecimentos” que a graduação não proporciona dentro das ações do grupo nos assentamentos. “A agroecologia requer uma análise integrada de relações e conexões. A extensão rural requer comunicação e sensibilidade, cuidado no olhar e no fazer. E é assim que a agroecologia se constrói, de maneira participativa”, explica.
Na mesma linha de Bruna, o estudante de engenharia agronômica Werbson Barroso aponta que a participação no Nheengatu transformou sua graduação. “A partir do momento que comecei a acompanhar o grupo senti uma grande diferença no meu desenvolvimento nas aulas, comecei a ser mais crítico ao conteúdo que é abordado”, explica.
Werbson é membro do Grupo de Extensão de São Pedro (Gesp), grupo dedicado à “assistência de produtores familiares da serra de São Pedro”, que fomenta a agricultura familiar no município próximo a Piracicaba. Para o estudante, a agroecologia tem papel central na transformação deste cenário. “Não sei se a agroecologia conseguirá mudar sozinha o atual cenário que estamos testemunhando no campo, mas, com certeza, sem ela muita coisa não teria mudado”, finaliza.