“Negar a violência do passado e do presente é um risco para a democracia”

Afirmação é da historiadora Mary Junqueira; ela estará em evento na USP sobre negacionismo entre os dias 7 e 9 de maio

 03/05/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 06/05/2019 as 20:09
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Militares da Força Pública, atual Polícia Militar, protegendo o Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, durante o Golpe Militar no Brasil em 31 de março de 1964 – Foto: via Wikimedia Commons

Holocausto, escravização dos negros e genocídio indígena são exemplos de acontecimentos cuja veracidade é questionada de tempos em tempos, apesar de evidências e do consenso entre os historiadores. Recentemente, com as eleições presidenciais e a polarização do debate político no Brasil, esse fenômeno ficou em evidência mais uma vez – o presidente eleito Jair Bolsonaro chegou a estimular a comemoração do golpe de 1964, evento que deu início à ditadura militar, marcada por torturas e mortes, e questionada por uma parcela da sociedade.

O fenômeno de negar um fato histórico é conhecido como negacionismo. “Ele está presente em vários países do Ocidente e é perceptível além do campo das humanidades. Nas Ciências Biológicas, há a negação da eficácia das vacinas, nas Ciências da Terra, é reiterada a negação das mudanças climáticas e até do formato arredondado da Terra”, lembra a historiadora Mary Junqueira. “Pierre Vidal [historiador francês] chega a chamar os negacionistas de assassinos de memórias, termo que nasceu em função do debate sobre a recusa do Holocausto nos anos 80”, diz o também historiador Marcos Napolitano.

Ambos são professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em São Paulo, e organizam um evento entre os dias 7 e 9 de maio para debater o assunto com outros especialistas.

Além do negacionismo, existe mais um fenômeno na discussão: o revisionismo. Segundo os pesquisadores, ele não é necessariamente prejudicial, já que envolve a reinterpretação de acontecimentos históricos a partir de novos documentos, evidências e demandas da agência social, desenvolvendo outras visões sobre o passado. O problema ocorre quando há a revisão baseada somente em um pensamento ideológico ou crença.

Prisioneiros durante inspeção no campo de concentração de Buchenwald, data indefinida – United States Holocaust Memorial Museum – Photo: Archives

Prejuízos e ameaças

O negacionismo é um fenômeno que ganhou fôlego recentemente no Brasil, nos Estados Unidos, em países da Europa e da América Latina. De acordo com os especialistas, esse crescimento se relaciona com a onda conservadora no Ocidente.

Atualmente, observa-se uma disputa sobre como determinados temas da História devem ser abordados. Essa disputa é política. Procura-se negar ou amenizar temas de extrema violência do nosso passado. Ao homenagear o coronel Brilhante Ustra, Bolsonaro negou a ditadura e a extrema violência que lhe foi característica. Devemos perguntar: a quem serve disseminar os negacionismos? Negar a violência do passado e do presente é um risco para a democracia”, afirma a professora Mary Junqueira

Marcos Napolitano acredita na hipótese de que o negacionismo se alimenta da volta da extrema-direita, que ocupa o cenário político atual no mundo ocidental e influencia a opinião pública. Segundo o pesquisador, é um fenômeno que começa surgir nos anos 1980 com as novas direitas, Estados Unidos e Inglaterra, e se estrutura sobretudo após a Guerra Fria e a crise da Pax Americana (hegemonia estadunidense), se consolidando no século 21.

“Retornam principalmente os setores fundamentalistas, setores de extrema-direita e setores que rejeitam a narrativa de que o Ocidente é vocacionado para a democracia, inclusão e liberdade. Existem várias falácias nisso, mas era um discurso que as elites ocidentais mantinham, mesmo que mais à direita ou esquerda, e isso está em crise, o que favorece o negacionismo”, conclui.

Até mesmo o conteúdo de livros didáticos entra em jogo. Mary explica que o conhecimento histórico passa por longo processo de análise de resultados das pesquisas e debates sobre o tema antes de sua publicação. Porém, a popularização do negacionismo na opinião pública resulta na pressão, juntamente com setores do governo, para a introdução de teses negacionistas e revisionistas ideológicas em materiais didáticos, sem embasamento argumentativo sólido.

Negacionismos e Revisionismos 

O debate na FFLCH tem como objetivo abordar acontecimentos históricos, a atuação do negacionismo e do revisionismo sobre cada tema e o papel do historiador nesse conflito – como deve ser sua atuação e a ética do trabalho.

Com mesas e debates, participarão do evento, além de Mary e Napolitano, oito docentes do Departamento de História da FFLCH, um da Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e um professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Compreender esses fenômenos nos permite lidar com eles de forma adequada, compreender como e por que são gerados e em que meios são disseminados”, afirma Mary.

A programação completa pode ser consultada neste link. Com entrada gratuita, o evento será realizado no Edifício Eurípedes Simões de Paula (Geografia e História), na Av. Prof. Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo-SP. Não é necessário realizar inscrição.

Mais informações sobre o evento no Departamento de História da FFLCH: (11) 3091-0298


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