Quando os modernistas encontram os contemporâneos

No Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, Tarsila e Portinari conversam com Rosana Paulino e Vitor Mizael

 22/07/2019 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 05/08/2019 às 12:31
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A exposição Memorial do Desenho ocupa o sexto andar do prédio do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. São 54 obras expostas: 40 do acervo e 14 de artistas convidados – Foto: Jorge Maruta / USP Imagens

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Um encontro inusitado entre Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Fulvio Penachi e os artistas que continuam buscando os diferentes caminhos da contemporaneidade pode ser apreciado em Memorial do Desenho, a nova exposição do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. As obras dos mestres do Modernismo apresentadas no mesmo espaço dos jovens artistas instigam os visitantes a refletir sobre as formas, estética, cores e também os temas, sonhos, emoções, críticas e a poética da trajetória da arte neste último século.

Tal reflexão é o desafio da professora Carmen Aranha, curadora do MAC e docente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP. “A exposição traz um recorte da coleção do MAC e se apresenta como um lugar de memória, onde o desenho preserva traços de visualidades do século 20 e, simultaneamente, os impele à atualidade”, explica. O legado deixado pelas diversas vertentes da arte há mais de um século é confrontado com as obras de hoje.

A curadora Carmen Aranha e o artista Vitor Mizael – Foto: Divulgação

Inaugurada no dia 29 de junho passado, a exposição apresenta obras do francês Honoré Marius Bérard, de 1913 e 1914, junto dos artistas brasileiros Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Candido Portinari, entre as décadas de 1920 e 1940, confrontadas com as obras  de Geraldo de Barros, Marcelo Grassmann e Mira Schendel, das décadas de 1950 e 1960, até os trabalhos atuais de artistas do acervo, como Zed Nesti e Christiana Moraes, e especialmente convidados para a mostra, como Rodrigo Amor Experimental, Vitor Mizael, Rosana Paulino, John Parker e Donald Urquhart. “A mostra torna-se uma busca estética pelo reconhecimento de formas que alteraram o tempo, antes sequencial e, agora, múltiplo e complexo.”

 

O visitante está olhando o Von Ha com o Projeto Tarsila, de 2011, e logo adiante pode olhar desenhos de Anita de 1915, 1916 e 1925″

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A seleção de obras para a exposição é resultado das pesquisas que a professora Carmen Aranha vem desenvolvendo nos últimos anos. “Os estudos que vinha realizando com recortes sobre o acervo do museu ofereceram a elaboração de alguns instrumentais reflexivos sobre relações estéticas e, ao propor uma exposição, procurei pensar no visitante como parte dessa vivência e, assim, oferecer uma movimentação curatorial e museográfica que pudesse envolvê-lo”, explica. A professora acrescenta que contou com a “contribuição fundamental” do educador Evandro Nicolau, do MAC, que atuou na pesquisa das obras.

A curadora justifica a seleção exposta. “Desenhos evidenciam historicidades e introduzem novos olhares. Seus interstícios situam transformações dessa linguagem estruturante.” Carmen observa que a fenomenologia procura situar fenômenos perceptivos com o olhar. “Então, esses dois modos de ver o mundo poderiam se cruzar para situar fenômenos como memória, passagens e uma heterotopia”, pondera. “Ou seja, na própria exposição os olhares se cruzam. Não há um olhar utópico, no sentido de progresso ou desenvolvimento. O visitante está olhando Gustavo Von Ha com o Projeto Tarsila, de 2011, e logo adiante pode olhar desenhos de Anita de 1915, 1916 e 1925.”

 

A obra Costureiras, de Tarsila do Amaral, está ao lado da luta da mulher na obra de Rosana Paulino”

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Costureiras, de 1950, de Tarsila do Amaral – Foto: Jorge Maruta / USP Imagens

 

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Em nanquim sobre papel está o desenho Costureiras, de Tarsila do Amaral. A cena sem as cores de suas telas que marcaram o Modernismo e o Movimento Antropofágico é desenhada com leveza em preto e branco. Mostra uma mulher de óculos, concentrada, trabalhando na máquina de costura. Tesoura sobre a mesa, ao fundo um quadro com uma casa, montanhas e palmeiras, e um gato que fica espiando o tecido que toca o chão. O desenho sem data se limita à mulher que possivelmente está trabalhando no espaço da casa. O visitante percorre alguns metros e bem próximo encontra as preocupações da mulher contemporânea abordadas pela artista Rosana Paulino, mestre e doutora em Artes Visuais pela USP. Em grafite, pastel oleoso e crayon sobre papel, há três desenhos: Formação do Órgão Sexual Feminino, Só um Vingou… Só um Foi Fecundado e Célula Mestre Vampirizando Células Menores.  Rosana traz as inquietações da mulher em desenhos de 2001 na luta contra o seu próprio tempo para gerar um filho.

O Nu Feminino em nanquim, de Emiliano Di Cavalcanti, de 1950, e o desenho em grafite, crayon e nanquim de Portinari, de 1941, que mostra o menino Jesus sendo carregado por um frei, se confrontam com o grande grafite em spray na parede de Rodrigo Amor Experimental, que nasceu na cidade de São Paulo em 1977. O artista, que tem uma formação livre em artes, circula pelo Brasil e em outros países entre grafites, performance, audiovisual e fotografia. É exatamente essa arte que transita entre as ruas da cidade até ocupar o MAC que dá o nome à exposição. O painel Memorial do Desenho mostra bem o caminho conflituoso da arte contemporânea.

O painel de Rodrigo Amor Experimental deu o título da mostra Memorial do Desenho – Foto: Divulgação

 

A exposição se apresenta como “um lugar de memória, onde o desenho preserva traços de visualidades do século 20 e, simultaneamente, os impele à atualidade”, diz a curadora Carmen Aranha – Foto: Atílio Avancini

 

O legado deixado pelas diversas vertentes da arte há mais de um século é confrontado com as obras de hoje na exposição Memorial do Desenho, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP – Foto: Atílio Avancini

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O polêmico artista argentino Léon Ferrari, que morreu em 2013, aos 92 anos, também está presente. Ele se destacou como um dos mais importantes da contemporaneidade por sua obra crítica e de combate à intolerância social e religiosa. Ferrari está na exposição com duas obras de 1979. Uma liberdade de expressão presente nas obras dos artistas da atualidade. Os pássaros de Vitor Mizael voam pelo chão, ocupando o espaço em um suporte inusitado. O artista desenha a lápis sobre caixas de madeira de diversos tamanhos que são utilizadas para transporte de quadros. Um trabalho que chama a atenção dos visitantes pela criatividade e poética.

“A convivência entre a Tarsila, Di, Anita, Leon Ferrari, Gerda Brentano e, enfim, os contemporâneos obedece a uma vontade de situar um olhar que se lança a muitas possibilidades, direções, técnicas, suportes”, observa Carmen Aranha. “Esse é o mundo de hoje.”

A exposição Memorial do Desenho, com curadoria de Carmen Aranha, fica em cartaz até 28 de junho de 2020, de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. Visitas educativas devem ser agendadas pelo telefone (11) 2648-0258.

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