Fachada do HRAC - Foto: Cecília Bastos/ USP Imagens

Após 55 anos na USP, Centrinho de Bauru inicia nova fase, sob gestão do Estado

Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) passa a ser parte do Hospital das Clínicas de Bauru (HCB), gerido por uma organização social. Instituição tem 47 mil pacientes e 556 servidores, que continuarão sendo funcionários da USP

 07/07/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 11/07/2022 as 13:41

Autor: Herton Escobar

Arte: Ana Júlia Maciel

A mãe de cabelos vermelhos se emociona ao lembrar as palavras do médico: “O doutor pegou o Gabriel numa mão, olhou para ele e falou: ‘Esse alemão aqui é moleza; a gente faz três cirurgias nele e tá ótimo’”, recorda a empresária Daniela Ponciano de Almeida da Silva, mãe do Gabriel, hoje um garotão de 10 anos, apaixonado por videogame. Ele nasceu em 2012 com uma fissura labial (lábio leporino) e uma fenda palatina, duas malformações congênitas que exigem uma série de cirurgias para serem corrigidas, e desde então é paciente do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, em Bauru — apesar de morar em Pelotas, no Rio Grande do Sul, a 1.500 quilômetros de distância. O tratamento poderia ser feito em Porto Alegre, muito mais próximo, mas a família prefere viajar 30 horas de ônibus até o interior paulista para continuar sendo atendida no HRAC. “Nem cogito sair daqui”, diz Daniela. “A gente se sente em casa; é muito acolhedor.”

O tratamento completo de uma fissura labiopalatina leva 20 anos, porque as deformações precisam ser corrigidas cirurgicamente ao longo do desenvolvimento da criança, desde o nascimento até a vida adulta, além da necessidade de acompanhamento odontológico, psicológico e de fonoaudiologia, entre outros. Gabriel fez a primeira cirurgia no HRAC aos três meses de vida, como manda o protocolo, e desde então é acompanhado pelos médicos do hospital da USP. Ele é um dos 47 mil “pacientes ativos” (em tratamento) do hospital, que é referência internacional no tratamento de anomalias craniofaciais e de deficiência auditiva.

Em junho deste ano, Gabriel e sua mãe voltaram a Bauru para realizar um procedimento ortodôntico, necessário para corrigir o posicionamento dos dentes. “O atendimento aqui é perfeito; desde a primeira vez, sempre fomos muito bem atendidos”, contou Daniela ao Jornal da USP. “Parece até que estamos pagando tudo”, concluiu ela, com um sorriso no rosto. Todos os atendimentos no HRAC — ou “Centrinho”, como também é conhecido — são 100% gratuitos, realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Criado em junho de 1967, o HRAC passa por um momento de transformação. Depois de 55 anos vinculado à USP, o hospital está “de mudança” para o novo Hospital das Clínicas de Bauru (HCB), que deverá entrar em operação nas próximas semanas. Fisicamente, nada mudará: o Centrinho continuará funcionando no mesmo lugar e com as mesmas especialidades; porém, sob nova direção. Seus servidores continuarão sendo funcionários da USP, pagos pela Universidade, mas a gestão do hospital passa a ser responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde (SES). Em suma: o HRAC deixa de ser um hospital universitário autônomo, vinculado à USP, para se tornar parte de um hospital público maior, vinculado ao governo do Estado.

Mais especificamente, o HCB será gerido por uma Organização Social de Saúde (OSS), selecionada pelo Estado via convocação pública, numa configuração semelhante à que já existe no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), também da USP, em Ribeirão Preto*. 

[*Apesar do que sugerem seus nomes, os HCs de São Paulo e Ribeirão Preto não pertencem à USP; eles são autarquias especiais do Estado, vinculadas administrativamente à Secretaria Estadual da Saúde e associadas à Universidade para fins de ensino, pesquisa e prestação de serviços de saúde de alta complexidade. Resumindo, de forma bem simplificada: a USP entra com os recursos humanos especializados — professores e alunos —, mas quem administra e paga as contas dos hospitais é o Estado, via contrato de gestão com as respectivas fundações.]

O resultado dessa convocação pública foi divulgado em 28 de maio, no Diário Oficial do Estado (págs. 60 e 61), e a vencedora foi a Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Faepa), que já administra quatro hospitais do complexo de saúde do HCFMRP. 

A expectativa é que nada mude para os pacientes do HRAC, e que a excelência no atendimento seja integralmente preservada, segundo o diretor-executivo da Faepa e professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP, Ricardo Cavalli. “Desde o início, a premissa do projeto é manter a qualidade, buscando sempre a excelência, e até mesmo aumentar a quantidade de atividades oferecidas na unidade”, disse Cavalli ao Jornal da USP.

“Os pacientes do HRAC continuarão a ser atendidos. Não haverá interrupção de qualquer natureza e as práticas de humanização presentes serão todas mantidas, sem exceção”, completou o médico Danilo Souza, membro da equipe da Faepa que está planejando a futura gestão do HCB. 

A arquitetura administrativa do novo hospital ainda não está totalmente definida, mas uma das possibilidades aventadas é que o Centrinho se torne um instituto especializado do HCB, numa configuração semelhante à do Instituto do Coração (Incor), no Hospital das Clínicas de São Paulo. O prazo previsto para transferência em definitivo das atividades do HRAC da USP para a Secretaria de Estado da Saúde é 30 de setembro. Uma Comissão de Transição está sendo montada para organizar esse processo, com participação da USP, Faepa e SES. Os funcionários atuais terão a opção de permanecer no HRAC, subordinados à nova direção, ou solicitar transferência para outras unidades da USP — em ambos os casos, sem qualquer prejuízo salarial ou de progressão de carreira.

“Nossa esperança é que pouca coisa mude”, diz o superintendente do HRAC e vice-diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru, Carlos Ferreira dos Santos. Ele reconhece a preocupação de pacientes e funcionários, mas diz estar otimista com relação ao processo. “Somos o maior centro do mundo na reabilitação de anomalias craniofaciais; é um serviço altamente especializado e muito bem consolidado, que precisa ser preservado.”

A previsão inicial era de que o HCB começasse a atender algumas especialidades já na segunda metade deste mês, segundo anúncio feito pelo governo do Estado no dia 30 de maio, por ocasião da assinatura do contrato com a Faepa. O hospital vai funcionar em um prédio de 11 andares, que já pertence ao complexo hospitalar do HRAC, no campus da USP em Bauru, mas que tem apenas dois de seus pavimentos ocupados pelo Centrinho (dedicados ao atendimento de pacientes com deficiência auditiva, outra especialidade do centro). Os outros nove andares estão prontos para serem ocupados, faltando mobiliário e equipamentos.

Entregue ao HRAC em 2012, esse edifício foi originalmente concebido para hospedar integralmente o Centrinho, mas a mudança acabou não se concretizando, em função de pendências técnicas e jurídicas da obra. O prédio tem quase 22 mil metros quadrados de área construída, com infraestrutura pronta para dezenas de consultórios, enfermarias e salas de laboratório, oito salas cirúrgicas, duas UTIs (com 10 leitos cada), nove semi-UTIs, e tudo mais que um hospital de média e alta complexidade necessita para funcionar. O uso do prédio foi cedido pela USP à Secretaria de Estado da Saúde, que passa a ser responsável pela sua manutenção e pela realização das adequações que forem necessárias para a implantação do HCB.

“Sempre houve um anseio muito grande por parte da comunidade de que tudo isso fosse usado como um hospital”, diz a doutora Cleide Carrara, odontopediatra e superintendente substituta do HRAC. A qualidade da manutenção do prédio impressiona; mesmo as áreas desocupadas são limpas e vistoriadas regularmente. “É só chegar, colocar os aparelhos e começar a trabalhar”, resume Carrara. Três andares chegaram a operar como um hospital de campanha durante a pandemia de covid-19, com equipamentos cedidos pela USP, e uma das UTIs segue ativa nessa função, com dez leitos dedicados a pacientes graves da doença.

Oficialmente, no papel, o HCB foi criado em julho de 2018, pelo Decreto 63.589, que diz que o hospital integrará o Sistema Único de Saúde, com a finalidade de “prestar assistência hospitalar e ambulatorial” à sociedade e “servir de campo” para atividades de ensino, pesquisa e extensão da USP. Nesse sentido, o HCB funcionará como um hospital-escola, vinculado aos cursos de Medicina, Odontologia e Fonoaudiologia do campus da USP em Bauru. Além da tradicional Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), atuante desde 1962, a Universidade planeja criar ali uma Faculdade de Medicina, que atuará umbilicalmente ligada ao HCB (mais informações adiante, nesta reportagem).

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USP e Governo de SP assinam acordo para implantação do Hospital das Clínicas de Bauru

A implantação do novo hospital é regida por um Acordo de Cooperação Técnica, firmado entre a USP e a Secretaria de Estado da Saúde, em dezembro de 2021 (disponível para download aqui). As especialidades oferecidas na unidade serão definidas de acordo com as necessidades do sistema de saúde local. “Além da assunção dos serviços desempenhados no HRAC/USP, a Secretaria definirá e agregará os demais serviços de saúde que serão desempenhados pelo HCB, em conformidade com a disponibilidade orçamentária e financeira da Secretaria e com o planejamento regional, considerando a necessidade de promover integração dos serviços de saúde da rede assistencial regional do SUS com a formação de recursos humanos, a pesquisa e a inovação científica e tecnológica na área da saúde”, diz o acordo.

“Esse é o hospital que vai ser a nossa casa”, diz o médico Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor da Faculdade Medicina da USP, em São Paulo, e coordenador do curso de graduação em Medicina da FOB-USP, em Bauru (criado em 2017, já no bojo do processo de criação do novo Hospital das Clínicas). A meta é que todos os serviços que venham a ser oferecidos no HCB tenham o mesmo nível de excelência já consagrado pelo Centrinho nas suas respectivas especialidades. A escolha desses novos serviços, como determina o acordo, deverá ser feita em conjunto pelo Departamento Regional de Saúde de Bauru e a USP, buscando um casamento produtivo entre as demandas do sistema de saúde e a formação de recursos humanos da Universidade. “A definição do que o curso oferece é feita em sintonia com o que a região precisa”, explica Silva.

O orçamento do HRAC para “Outros Custeios e Investimentos” em 2022 é de R$ 16 milhões, segundo a superintendência do hospital. Esse seria o valor economizado de imediato pela Universidade com a transferência do hospital para o Estado, que assumirá esses custos como parte do orçamento operacional do HCB. A economia maior, porém, virá a médio e a longo prazo, com a redução da folha de pagamento, à medida que os atuais funcionários forem se aposentando e a reposição das vagas seja feita pela Faepa (e não mais pela USP). O valor estimado da folha de pagamento dos atuais servidores para 2022 é de R$ 117 milhões.

“O HRAC nunca deixará de ser HRAC. Pode até mudar o nome, mas, na prática, o reconhecimento das instituições é dado pelo que elas são”, argumenta Silva.

Um legado em construção

Para entender como as coisas vão funcionar nessa nova configuração, é preciso entender como elas vinham funcionando até agora. O apelido “Centrinho” é uma herança do nome original do HRAC, que nasceu em 1967 como Centro de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Labiopalatais, fruto de uma iniciativa de sete professores da USP em Bauru (mais detalhes sobre a história do hospital neste link). É um apelido carinhoso, mas um tanto enganoso no contexto atual, visto que, de pequeno, o HRAC não tem nada. 

O hospital tem 566 funcionários e sua infraestrutura está dividida em duas unidades principais. A primeira, mais antiga, é um prédio de dois andares, com 11.750 metros quadrados, dedicado ao atendimento e pesquisa de anomalias craniofaciais, com 68 consultórios (de medicina, fonoaudiologia, psicologia e assistência social), 6 salas cirúrgicas, 1 unidade de tratamento intensivo (UTI), 16 enfermarias, 10 grandes clínicas de odontologia e 7 laboratórios, entre outros espaços. A segunda unidade, dedicada ao atendimento e pesquisa de deficiências auditivas, ocupa dois pavimentos do prédio maior ao lado — popularmente chamado de “Predião” —, que abrigará o Hospital de Clínicas.

“Toda mudança traz dúvidas, um pouco de medo e insegurança; é natural”, diz a enfermeira e fonoaudióloga Sheila de Souza Vieira, de 36 anos, que atende pacientes com deficiência auditiva no HRAC. “Às vezes a mudança também traz coisas boas; vamos aguardar para ver. O que a gente espera é que o serviço continue a funcionar tão bem quanto sempre funcionou”, completa ela.

Simpática e vaidosa, Vieira tem uma longa história pessoal com o Centrinho, que remonta à sua infância. Em maio de 1999, aos 13 anos de idade, ela perdeu a audição nos dois ouvidos, devido a uma meningite, e logo se tornou paciente do HRAC. Passou por uma primeira avaliação e, quatro meses depois, foi uma das primeiras pessoas no Brasil a receber um implante coclear — um dispositivo eletrônico, implantado cirurgicamente no ouvido, que transforma o som ambiente em sinais elétricos que são transmitidos diretamente para a cóclea, permitindo que pessoas surdas voltem a escutar —, num momento em que essa tecnologia ainda era experimental. Dez anos depois, fez um segundo implante, no ouvido esquerdo. (Até então o SUS não bancava implantes bilaterais; por isso ela precisou esperar tanto tempo para fazer o segundo implante, via convênio.)

Não fosse pela parte externa dos aparelhos (que ficam atrás da orelha), seria impossível dizer que Sheila tem qualquer deficiência auditiva: ela escuta e fala com perfeição, e adora contar sua história, na esperança de que ela inspire outras pessoas com surdez a conquistar sua autonomia. Empoderada (e inspirada) pelo tratamento que recebe no HRAC, ela se formou enfermeira e fonoaudióloga, fez mestrado e doutorado na área de reabilitação auditiva, e hoje atua no Programa de Implantes Cocleares do Centrinho, atendendo pacientes e trabalhando lado a lado com as mesmas médicas, enfermeiras, fonoaudiólogas e outros profissionais que fizeram sua reabilitação inicial, anos atrás. “Estou devolvendo um pouco de tudo que o Centrinho e o SUS fizeram por mim”, conta Sheila. “Entrar aqui como fonoaudióloga e ajudar outras pessoas a passar pelo que eu passei é muito emocionante.”

RECURSOS HUMANOS

O HRAC tem 556 funcionários, em funções administrativas e de assistência aos pacientes

Servidores de Assistência

Técnico de enfermagem70
FONOAUDIÓLOGO42
CIRURGIÃO DENTISTA41
MÉDICO35
ENFERMEIRO26
OUTRAS ESPECIALIDADES90
TOTAL304

Servidores Administrativos

AUXILIAR ADMINISTRATIVO78
TÉCNICO DE ASSUNTOS ADMINISTRATIVOS78
AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS17
TÉCNICO DE MANUTENÇÃO/OBRAS13
AUXILIAR ACADÊMICO11
OUTRAS FUNÇÕES96
TOTAL262

Desde sua inauguração, em 1967, o HRAC já atendeu mais de 126 mil pacientes. Dos 47 mil que permanecem ativos (em tratamento), cerca de 54% são pacientes com fissura labiopalatina ou outra forma de malformação craniofacial, e 46% são pacientes com deficiência auditiva, usuários de aparelho auditivo ou implantes cocleares. Para esse segundo grupo, o tratamento é ainda mais longo do que para o primeiro: dura a vida toda, pois os aparelhos precisam de manutenção e ajustes permanentes; além do trabalho de reabilitação e acompanhamento clínico, que também precisa ser ajustado às diferentes necessidades e fases da vida de cada pessoa. “Esses pacientes são nossos para sempre, nunca recebem alta”, diz Carlos Santos, superintendente do hospital. “Você entra aqui e vai ser acompanhado para o resto da vida; isso é muito importante”, completa Sheila.

Motivações

A proposta de transferir a gestão do HRAC para a Secretaria Estadual da Saúde foi aprovada no Conselho Universitário da USP (órgão deliberativo máximo da Universidade) em agosto de 2014, em meio a uma profunda crise financeira da Universidade. A ideia era cortar gastos que não tivessem relação direta com as atividades-fins da instituição — neste caso, a prestação de serviços de assistência à saúde, que é uma atribuição do Estado. Dentro desse contexto, foi proposta a desvinculação tanto do Hospital Universitário (HU), em São Paulo, quanto do HRAC, em Bauru, com o intuito de adaptá-los ao modelo de gestão já adotado nos Hospitais das Clínicas de São Paulo e Ribeirão Preto — que utilizam recursos humanos da USP e operam sob a tutela da Universidade, mas são instituições do Estado, com status de autarquia e orçamento próprio.

Segundo dados que constam na ata da reunião do Conselho Universitário de 26 de agosto de 2014, os dois hospitais (HU e HRAC) representavam mais de um quarto (27%) do gasto total de custeio das 42 unidades de ensino da USP, em 2013. “Por exemplo, compramos fraldas com recursos da Universidade, compramos luvas, antibióticos, soros e coisas desta ordem. Isso é necessário para o atendimento à saúde, mas a questão seria: é para isso que o governo do Estado passa recursos para a Universidade de São Paulo, ou esta deveria ser uma função da Secretaria da Saúde, do SUS?”, argumentou o então reitor da USP e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Marco Antonio Zago.

Outro fator levantado para defender a desvinculação foi a incapacidade financeira da Universidade de repor os funcionários perdidos ao longo do tempo pelo hospital — inclusive, profissionais médicos. “Temos um problema que não haverá recurso. Como faremos? O Centrinho está precisando de anestesista, médico infectologista. Há cirurgião plástico, mas não tem anestesista. Há uma sala fechada porque não tem anestesista. E há paciente para operar. Como vamos fazer? Quem vai pôr esse anestesista lá dentro?”, questionou a professora Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado, à época diretora da Faculdade de Odontologia de Bauru (e mais tarde superintendente do HRAC, de 2016 a 2018). 

A desvinculação do HRAC foi aprovada no Conselho por 64 votos a favor, 27 contra e 15 abstenções. No caso do HU, a discussão foi adiada e a proposta acabou não prosperando.

A partir de agora, com a efetivação da transferência, a responsabilidade sobre a compra de insumos (fraldas, luvas, soros, etc.), a contratação de novos profissionais (incluindo anestesistas, que continuam em falta) e o custeio de operação do HRAC como um todo (incluindo serviços de segurança, limpeza, lavanderia, luz, gás, manutenção predial, etc.) passa a ser da Faepa.

Recursos humanos

Desde 2014, quando os concursos foram suspensos na USP como um todo em função da crise, o Centrinho perdeu 149 servidores por aposentadoria ou morte, segundo a superintendência do hospital. Os 556 servidores ativos terão a opção de continuar no HRAC/HCB (pagos pela Universidade, mas subordinados à Faepa) ou serem remanejados para outra unidade da USP, via assinatura de um “termo de aceite”, que está sendo redigido pela Procuradoria Geral da USP. 

As regras para formulação desse termo estão descritas na Cláusula Décima do Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a USP e a Secretaria Estadual da Saúde, que começa dizendo que: “Os servidores e empregados da USP não sofrerão, em decorrência da execução das atividades inerentes ao presente acordo, qualquer alteração nas suas vinculações com a entidade de origem, ficando, porém, sujeitos à observância dos regulamentos internos do local onde estiverem atuando e cabendo-lhes cumprir as diretrizes, normas gerenciais e hierarquias funcionais emanadas da secretaria ou da organização social contratada”. Os funcionários que aceitarem trabalhar no HCB terão que ser aprovados pela secretaria, e os que não forem absorvidos deverão ser realocados pela USP.

“Qualquer coisa que for encaminhada agora será dentro dessas balizas”, diz a procuradora-geral adjunta da USP, Adriana Fragalle. “Ninguém vai ser disponibilizado para o HCB se não quiser.” A Universidade também garantirá a todos o direito de mudar de ideia a qualquer momento — ou seja, se o funcionário optar por ficar no HCB inicialmente, mas se arrepender depois, poderá ser remanejado para outra unidade da USP da mesma forma.

“O que mais preocupa é a questão dos funcionários; entendo perfeitamente a angústia deles”, diz a professora Marília Buzalaf, diretora da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB). “Ainda não sabemos quantos vão aceitar trabalhar para a organização social (Faepa) ou não. Pode acontecer de tudo.”

Segundo o diretor-executivo da Faepa, Ricardo Cavalli, o plano é fazer a “reposição imediata” dos recursos humanos deficitários do HRAC, tanto das lacunas atuais quanto das que vierem a surgir no futuro, com aposentadorias ou transferências de funcionários para outras unidades. A grande vantagem do modelo de gestão via organização social (comparado a uma gestão direta do Estado) é justamente essa, segundo ele: a maior agilidade e autonomia para contratação de pessoal e compra de materiais, entre outras funções administrativas. Apesar das críticas de que esse modelo representaria uma “privatização” do HRAC, ele esclarece que as organizações sociais “não têm nenhum fim lucrativo”, apenas administrativo.

“É sempre difícil trabalhar com modelos mistos, mas as experiências de São Paulo e Ribeirão Preto mostram que isso é possível”, avalia Luiz Fernando Ferraz da Silva, da Faculdade Medicina da USP. O risco maior para a manutenção dos serviços do Centrinho estaria em não fazer a desvinculação, segundo ele, pois a Universidade não teria condições orçamentárias de repor as vagas dos funcionários que inevitavelmente irão se aposentar nos próximos anos. “Se não mudasse, aí sim é que haveria um risco enorme de perda de assistência no hospital”, argumenta.

[**Uma diferença em relação aos modelos do HCFMUSP e do HCFMRP é que os hospitais de São Paulo e Ribeirão Preto têm status de autarquia, com orçamento próprio definido na Lei Orçamentária Anual (o que lhes garante maior autonomia financeira e administrativa), enquanto o HCB será vinculado à Secretaria Estadual da Saúde. Há um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo que propõe a transformação do HCB, também, em autarquia. Nesse caso o contrato de gestão com as organizações sociais é feito diretamente com o hospital, não com a Secretaria da Saúde.]

Os recursos que deixarão de ser gastos com salários e custeio dos serviços de assistência à saúde poderão ser canalizados, a médio e a longo prazo, para a contratação dos docentes que deverão compor os quadros da futura Faculdade de Medicina de Bauru, que Silva espera inaugurar até o fim de 2023 — quando a primeira turma do recém-criado curso de graduação em Medicina deverá se formar. O curso (provisoriamente hospedado na FOB) tem atualmente 396 alunos matriculados, em cinco turmas, e 46 docentes (incluindo 26 temporários, contratados durante a pandemia). A meta é chegar a 152 docentes até 2031, segundo Silva. “O Estado passa a bancar algo que é responsabilidade dele, para a USP focar em fazer aquilo que ela sabe fazer de melhor, que é formar gente”, diz. “É uma política de saúde que tem lógica.”


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