Pesquisadores aplicam ciência de dados e Inteligência Artificial no combate ao crime

Identificar padrões de crimes e construir ferramentas para prever sua ocorrência são objetivos da iniciativa que terá como laboratório São Carlos, no interior de São Paulo

 27/07/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 29/07/2020 às 15:36
Ilustração: Reprodução/USP Municípios

 

Por que em certas regiões de uma cidade a probabilidade de acontecer um roubo de carga é muito grande, enquanto em outros locais, apesar desse risco ser mínimo, quem corre maior perigo são as pessoas que estão andando na rua? Diversos estudos têm mostrado que esses fenômenos não ocorrem por acaso. Identificar quais são os padrões e as dinâmicas do crime na cidade de São Carlos, que fica a cerca de 240 quilômetros da capital do Estado de São Paulo, é o desafio que mobiliza um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP.

Professor Luís Gustavo Nonato – Foto: IEA/USP

A verba para desenvolver o projeto virá do programa USP Municípios, com disponibilização de R$ 15 mil para despesas de custeio, além de quatro bolsas de iniciação científica. A iniciativa é uma das consequências dos estudos que o grupo vem realizando nos últimos três anos na cidade de São Paulo, em parceria com cientistas do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.

“Submetemos o projeto ao Programa USP Municípios exatamente para conseguir algum financiamento e estimular estudantes para adaptar o que já fizemos na cidade de São Paulo para o município de São Carlos. Acontece que, no interior, o escopo da pesquisa será ainda maior porque teremos acesso a dados que não estavam disponíveis em São Paulo”, explica o professor Luís Gustavo Nonato, do ICMC, que coordena o projeto.

De acordo com o professor, há inúmeros fatores que impactam o número de ocorrências criminais em um determinado local, tais como: condições de trânsito; condições climáticas; densidade de edifícios residenciais, comerciais e industriais; presença de bares e restaurantes; fluxo de pessoas; presença de parques e praças; além das condições socioeconômicas. “Existem trabalhos que mostram que determinados tipos de crime se intensificam a partir do aumento da temperatura e se reduzem com temperaturas mais amenas ou com a elevação da quantidade de chuva”, diz Nonato. Entre os objetivos do projeto está compreender os inúmeros fatores que impactam a criminalidade em São Carlos, além de construir uma ferramenta que consiga prever ocorrências futuras.

Os gráficos mostram a evolução temporal dos roubos a transeuntes na região do viaduto da Av. São Carlos com a Av. Trabalhador São-Carlense. As colunas mostram informações fornecidas pelo sistema em três instantes de tempo diferentes: 2015 (a); 2017 (b); e 2019 (c). As regiões vermelhas correspondem a locais com grande concentração de crimes. Os crimes diminuíram significativamente em 2019, após a revitalização do viaduto, com nova pintura e iluminação – Imagem: Divulgação

Não é mágica, é ciência

Para gerar conhecimento sobre o padrão e a dinâmica de cada tipo de crime é preciso ter à disposição a maior quantidade possível de dados ao longo do tempo. Na primeira etapa, os pesquisadores coletam os dados georreferenciados sobre os crimes. “Depois, analisamos esses dados ao longo do tempo, tentando entender, a partir das séries temporais, o que está acontecendo em cada região da cidade, procurando distinguir, principalmente, cada tipo de crime: roubo de carga, roubo de estabelecimento comercial, roubo de transeunte etc.”, revela Nonato.

O professor explica que as séries temporais dos crimes que acontecem em cada local possibilitam identificar se as ocorrências apresentam também algum tipo de periodicidade ou sazonalidade: “Há casos em que, olhando as séries temporais, você descobre que tem um local em que os crimes acontecem sempre às sextas-feiras, na segunda quinzena do mês. Você vê isso claramente quando analisa os dados, porque as séries temporais permitem extrair esse tipo de informação, que é muito importante para embutir em um futuro modelo preditivo. Afinal, se você quer predizer o crime que poderá ocorrer naquele local e você sabe que existe essa sazonalidade, precisa inserir essa informação no modelo computacional que será criado”.

Professor Afonso Paiva Neto – Foto: CeMEAI

O professor conta que, depois de fazer essa análise global e extrair os padrões de cada tipo de crime em regiões específicas, o próximo passo é agrupar os locais que apresentam padrões parecidos: “Então, podemos analisar, de maneira simultânea, as regiões que têm um padrão similar. Em vez de ficar olhando para uma esquina, olhamos para todas as esquinas que têm aquele mesmo padrão. Porque, provavelmente, a solução que será encontrada para um desses locais servirá para os demais”.

Análises como essas poderão auxiliar gestores da área de segurança a construir políticas públicas mais eficazes e eficientes. “Por que a pessoa rouba ali e não em outro lugar? Será que a gente consegue identificar quais são as variáveis externas que estão facilitando o roubo naquelas regiões? Ao buscar responder essas perguntas, descobrimos coisas interessantes: por exemplo, existe uma correlação enorme entre o índice de roubo de transeuntes e os pontos de ônibus. Então, onde tem muito ponto de ônibus, tende a ter muito roubo de transeuntes.”

Para realizar os estudos, os pesquisadores empregam ferramentas da área de computação, matemática e estatística, mesclando técnicas de ciência de dados e de Inteligência Artificial, em especial, de aprendizado de máquina. O diferencial é que a equipe de cientistas apresenta os resultados dessas complexas análises por meio de uma plataforma de visualização computacional, como, por exemplo, o CrimAnalyzer, que facilita a interação dos gestores públicos com os dados disponibilizados.

Trabalho em equipe

No artigo CrimAnalyzer: Understanding Crime Patterns in São Paulo, apresentado no ano passado em um dos principais eventos científicos internacionais na área de visualização e computação gráfica, os pesquisadores explicam que a plataforma foi desenvolvida a partir das necessidades de uma equipe de especialistas. Segundo os autores, o CrimAnalyzer ajuda a entender a dinâmica dos padrões de criminalidade ao longo do tempo, oferece flexibilidade para explorar o que acontece em locais específicos e quais são seus padrões de criminalidade, além de possibilitar a identificação de regiões críticas para certos tipos de crime, os quais podem não ser os mais prevalentes em termos quantitativos, mas que são relevantes o suficiente para serem investigados.

Um dos estudos realizados pelos pesquisadores mostrou a relação entre a criminalidade e a infraestrutura no entorno de grupos de escolas na cidade de São Paulo. “Reunimos indicadores socioeconômicos, informações sobre infraestrutura urbana e histórico criminal envolvendo mais de seis mil escolas de São Paulo. O modelo permitiu combinar e extrair os padrões mais representativos para cada grupo de escolas”, explicou a doutoranda Jaqueline Alvarenga Silveira, do ICMC, em reportagem publicada pelo Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI).

A munição para desenvolver o projeto virá do Programa USP Municípios, que vai disponibilizar R$ 15 mil para despesas de custeio, além de quatro bolsas de iniciação científica – Imagem: Programa USP Municípios

O CrimAnalyzer está entre os projetos apoiados pelo CeMEAI e é resultado de uma colaboração com o NEV, a Escola de Matemática Aplicada da FGV, a Universidade Federal do Espírito Santo, a Universidade Federal de Alagoas e a New York University. Além de Nonato, participam da iniciativa mais dois professores do ICMC: Afonso Paiva Neto e Rodrigo Mello. O projeto conta, ainda, com a atuação de quatro doutorandos do instituto e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Há, ainda, uma parceria estabelecida com a Prefeitura Municipal de São Carlos: “A Secretaria de Segurança Pública tem sido muito importante por nos fornecer acesso aos dados da cidade. Não conseguiríamos fazer os estudos sem uma parceria como essa”, finaliza Nonato.

Denise Casatti/Assessoria de Comunicação do ICMC


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