“Retrofit” é método de recuperação que poderia reverter a questão do déficit habitacional no País

Leandro Medrano afirma que, acima de ser uma questão numérica, o método possui um valor simbólico para a sociedade

 05/03/2024 - Publicado há 5 meses
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A prática é recente no Brasil, começando a se intensificar no final dos anos 1990 – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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O termo retrofit consiste na restauração de estruturas antigas, de forma a preservar sua arquitetura original, ou seja, o estilo do prédio não deve ser perdido e deve apenas ser revitalizado com alguma inovação. Ele surgiu como tendência na Europa, com o objetivo de recuperar estruturas históricas, e hoje ainda é uma solução utilizada.

Conceito e objetivos

Leandro Medrano, professor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), desenvolve que o retrofit, atualmente, está voltado para áreas centrais ou edifícios habitacionais que perderam valor, tanto de mercado quanto social. Isso ocorre por não terem características necessárias no mundo contemporâneo, como estacionamento, sistemas de iluminação e outros — tornando-os obsoletos ou degradados.

Leandro Medrano – Foto: Reprodução/@l_medrano/X

“Isso tem uma relação com o movimento de expansão urbana, onde algumas áreas são abandonadas em detrimento a outras novas áreas de expansão. É muito característico do processo de formação urbana brasileira e, sobretudo, paulistano”. Ele ainda completa que o retrofit busca reverter esse processo que está em busca de novos edifícios e readequar os antigos para um uso atual.

Segundo o docente, a prática é recente no Brasil, começando a se intensificar no final dos anos 1990, e ganhou mais densidade nas últimas décadas. Isso se deve ao fato de ter iniciado um debate acerca de o País possuir um território de edificações abandonadas equivalente ao déficit habitacional: “Caso fossem transformados, seria solucionado esse problema crônico do Brasil”, afirma o professor.

“Simplesmente são edifícios que existem, foram feitos bem ou mal, têm uma grande proporção de massa construída, de modo que demoli-lo para construir outro, ou abandoná-lo, é custoso do ponto de vista público”.

O retrofit pode ser utilizado para diferentes finalidades, entre estas a comercial, residencial ou educacional, mas no Brasil uma se destaca, de acordo com Medrano: “A questão habitacional, porque é uma demanda crônica. No processo de urbanização brasileira, não conseguimos equacionar o crescimento das cidades ou, de certa forma, o processo de urbanização com a demanda habitacional. Então, nós não conseguimos criar programas públicos em grande escala que dessem suporte ao crescimento”.

Nesse sentido, ele ressalta que é uma questão simbólica acima de numérica, visto que não resolveria a problemática por completo, mas já teria uma contribuição importante para a dinâmica da vida cotidiana. A prática possibilitaria que áreas centrais, que sofreram com a degradação e gentrificação, ganhassem uma nova atmosfera urbana, passível de adequar a convivência de diferentes estratos sociais e culturais.

Dificuldades na implementação

Conforme o especialista, o Brasil não desenvolveu uma cultura, tanto na arquitetura como na engenharia: “Desde a forma como se estabelece o canteiro, de se adequar a própria construção civil, o projeto, as leis, a adequação é mais sofisticada e tem sido implementada pouco a pouco nos currículos das escolas brasileiras, tanto nas de engenharia quanto nas de arquitetura”.

Ademais, o professor explica que existe uma questão política e social, isto é, sem um investimento governamental é difícil, por isso, instrumentos urbanos, como a “outorga onerosa” — imposto progressivo sobre edifícios abandonados —, são importantes para o estímulo desses locais, para que não fiquem sem uso e se transformem em algo positivo para a sociedade. 

Diferenças para o patrimonialismo

O retrofit nem sempre está relacionado com o valor cultural, histórico e arquitetônico do edifício, diferentemente do patrimônio histórico, que, por possuir essa característica, possui uma técnica de restauração específica. Nesse caso, a estrutura pode voltar a ser como era, ou ser adequada sutilmente para novas utilizações.

Segundo Medrano, é um desperdício geral a não utilização desses edifícios, visto que existe uma infraestrutura da cidade, portanto, devem ser transformados em algo útil para conseguir utilizar do acesso ao transporte público, sistema de água, luz e energia, que a estrutura possui. “O retrofit tem essa visão do ponto de vista econômico, de fazer com que os gastos públicos da infraestrutura urbana sejam de fato efetivados e, também, uma chave ecológica, no sentido de construir menos e aproveitar mais o que já foi construído”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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