O primeiro texto da reforma tributária, aprovado na Câmara dos Deputados recentemente, prevê menos impostos nos alimentos. Atualmente, o Brasil possui uma das cargas tributárias para alimentos mais altas do mundo.
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos observa que essa medida pode aumentar a segurança alimentar da população. Ana Paula Bortoletto Martins, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da faculdade, comenta sobre a possibilidade de favorecer o consumo de produtos locais e in natura.
Reforma tributária e Guia Alimentar
A professora nota nesse cenário uma oportunidade de estabelecer regras que favoreçam os alimentos recomendados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, ou seja, aqueles considerados mais saudáveis e menos industrializados. Por exemplo, frutas, hortaliças, grãos, leite, ovos, carnes e até mesmo alguns ingredientes culinários que, apesar de não poderem ser utilizados em excesso, contribuem para a alimentação das famílias.
Assim, segundo Ana Paula, a partir da redução de preço desses produtos, também se criam melhores condições para o consumo de mercadorias produzidas localmente pela agricultura familiar que apresentam menor impacto no meio ambiente. “Então, também se poderia pensar em regras que favoreçam a venda de alimentos orgânicos, ecológicos, das culturas familiares. Isso seria um combinado perfeito para favorecer a alimentação saudável”, discorre a professora.
Preço e alimentação
O tema da taxação sobre alimentos é de extrema importância, uma vez que, após o cenário pandêmico, houve um agravamento dos índices de insegurança alimentar e fome mundialmente. Por outro lado, a professora atenta para um estranhamento nas políticas de cesta básica que, muitas vezes, estabelecem isenções de acordo com cada Estado.
Segundo um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a maior parte dos Estados já apresenta isenção de imposto ou até mesmo uma alíquota zerada para alimentos hortifruti. No entanto, Ana Paula explica que esse favorecimento também se aplica a produtos não saudáveis , como os ultraprocessados.
“Então, acaba misturando benefícios tanto para alimentos saudáveis e não saudáveis, sem observar o impacto que deveria ter para favorecer a população que está em situação de insegurança alimentar”, alerta a professora. Além disso, aumenta a questão da desinformação acerca desse assunto por parte da população.
Ana Paula também ressalta a importância de se montar uma cesta básica baseada no Guia Alimentar, além de fazer uso da ferramenta de preço para a facilitação do acesso a insumos benéficos para a saúde. “Não se pode colocar uma carga ainda maior para que as pessoas acabem não só não se alimentando, mas se alimentando com produtos que vão provocar impactos negativos na saúde”, acrescenta.
Tendência mundial
Existe um histórico de países que já adotam políticas com impostos maiores para produtos industrializados, a fim de promover um maior consumo de alimentos saudáveis. Na visão de Ana Paula, deve-se olhar para os dois lados: oferecer uma alimentação mais saudável e dificultar o acesso a insumos ultraprocessados.
Já existe uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto para que os países adotem uma tributação para aumentar o preço em pelo menos 10% das bebidas açucaradas, a fim de tentar efeito de reduzir o consumo e melhorar a saúde da população. Resultados positivos na saúde e na economia podem ser notados em cidades de países como Estados Unidos, África do Sul, México e Chile que aderiram ao aumento na tributação.
Dessa forma, de acordo com a professora, não se trata de uma escolha individual, mas de uma política mundial que olhe para o preço, produção e distribuição de alimentos. “A reforma tributária, mesmo que não resolvendo todos os problemas, é um caminho para essa resolução”, comenta.
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