Primeiro Censo com dados sobre os quilombolas evidencia sua precariedade e desigualdade

Daniel Afonso da Silva explica que a gravidade sanitária em que vivem se expande também para os Estados onde as comunidades estão povoadas

 21/08/2024 - Publicado há 3 meses
Imagem, como se fosse um quadro pintado, mostrando várias pessoas de comunidade quilombola reunidas - enquanto uns executam atividades artísticas, outros observam
Apesar dos avanços no reconhecimento formal, a realidade das comunidades quilombolas ainda é marcada por extrema precariedade – Fotomontagem com imagens de: Johann Moritz Rugendas/Wikimedia Commons/Domínio público; José Cruz/Agência Brasil
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O Censo Demográfico de 2022, conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trouxe pela primeira vez dados específicos sobre as comunidades quilombolas no Brasil. Segundo o levantamento, são 8.441 localidades quilombolas e cerca de 1,3 milhão de pessoas, ou 0,65% da população brasileira, que se autodeclararam como remanescentes de quilombos. Esse marco histórico revela a importância de se aprofundar na realidade dessas comunidades, que são descendentes de agrupamentos que resistiam à escravidão e enfrentam uma série de desafios.

Embora a Constituição de 1988 tenha reconhecido os quilombolas como patrimônio nacional — 100 anos após a Lei Áurea —, somente em 2022 essas comunidades passaram a ser incluídas formalmente nos dados censitários. Segundo Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da Universidade de São Paulo, o levantamento foi uma conquista social. “Pouco a pouco, o Estado brasileiro vai reconhecendo a relevância, a importância, e mais do que isso, vai formalizando o seu interesse em valorizar e considerar a relevância e a importância dos quilombolas no Brasil”, comenta.

Realidade vivida pelos quilombolas

Daniel Afonso da Silva – Foto: Arquivo Pessoal

Apesar dos avanços no reconhecimento formal, a realidade das comunidades quilombolas ainda é marcada por extrema precariedade. De acordo com o Censo, 90% dessas comunidades convivem com uma infraestrutura deficiente, especialmente em relação ao saneamento básico. Dados alarmantes mostram que serviços como abastecimento de água e coleta de lixo são frequentemente inexistentes ou precários nessas áreas, além de alguma parte da sua população não ter acesso a banheiros.

Contudo, o pesquisador chamou a atenção para o fato de que essa precariedade não é exclusiva das comunidades quilombolas, principalmente nos Estados do Maranhão e da Bahia, onde se concentram 50% da população quilombola — ou seja, essa gravidade faz parte de uma realidade socioeconômica mais ampla que afeta grande parte da sociedade brasileira, apesar de ser ainda mais severa em comunidades marginalizadas. Ele complementa: “No Brasil, 24% da população, em geral, não dispõe de nenhum acesso a qualquer serviço de saneamento básico e metade da população brasileira não tem acesso à água. Quando nós pegamos esses dados gerais e projetamos nesses dois Estados, o Maranhão e a Bahia, o número sobe. Então, eu não estou querendo minorar a gravidade da situação nas comunidades de remanescentes de quilombolas, mas a sociedade brasileira, como um todo, precisa avançar nesse quesito”.

Mesmo com avanços significativos desde a última Constituição, principalmente agora no Censo Demográfico de 2022, Afonso da Silva explica que os passos feitos são muito lentos e ainda faltam medidas concretas, através de políticas públicas, para melhorar as condições de vida dos quilombolas. “No fundo, a desigualdade no Brasil é crônica e a disparidade de acesso a serviços públicos básicos também é crônica. Quando nós seccionamos um segmento da população brasileira, como no caso dos remanescentes de quilombos, é evidente que a situação fica ainda mais grave. A sociedade brasileira precisa avançar, e talvez avançar mais rapidamente”, finaliza.


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