“Precisamos ter uma relação com a natureza e com a agropecuária diferente da que nós temos hoje”

De acordo com Ricardo Abramovay, é preciso compreender como os ciclos naturais funcionam para usarmos menos componentes químicos e oferecermos uma alimentação de qualidade

 14/06/2023 - Publicado há 2 anos
O uso de agrotóxicos e tratamentos específicos para os animais foi muito difundido e elevou a produção de alimentos no mundo – Foto: Pixabay- Fotomontagem/Jornal da USP
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Pesquisadores da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública e do Instituto Comida do Amanhã produziram um relatório que trata de questões relacionadas à falta de diversidade nos sistemas agroalimentares. O tema foi pautado para ser abordado na próxima reunião do G20 — grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo —, que deve ocorrer no final do ano na Índia.

“Desde que ocorreu a Revolução Verde, nos anos 60, a técnica utilizada era a de padronizar a maneira de usar o solo para ganhar eficiência em grande escala. Como os ambientes eram homogêneos, o ataque de pragas, de fungos era muito grande e você tinha que recorrer a agrotóxicos. De certa forma, deu certo, porque isso permitiu elevar muito a produção mundial e abaixar os preços dos alimentos e foi muito útil para o combate à fome e na produção animal também”, explica o professor Ricardo Abramovay, coordenador da Cátedra. Para destacar ainda mais a monotonicidade dos sistemas, ele cita: “A humanidade, a partir da Revolução Industrial, mostrou uma espécie de paixão pela falta de diversidade”, do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson.

Contexto

O uso de agrotóxicos e tratamentos específicos para os animais foi muito difundido e elevou a produção de alimentos no mundo. Porém, ele tem muitas consequências: desde o impacto na saúde até a homogeneidade das produções, como citado. “A partir dos anos 50, formaram-se as grandes criações de animais. Havia um programa norte-americano, chamado The Chicken for Tomorrow, que buscava alterar completamente a própria fisiologia e a anatomia das aves. O objetivo era que elas produzissem mais carne, mas ao preço de raças homogêneas convivendo num ambiente fechado. Isso atrai um foco de difusão de vírus, bactérias, e você enfrenta isso por meio de antibióticos: essas são as consequências dessa padronização da natureza”, exemplifica o professor. 

Ricardo Abramovay – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“A crise consiste no fato de que 90% da humanidade consome apenas 15 produtos alimentares, sendo que 60% consomem não mais que quatro e esses produtos estão concentrados em alguns poucos países”, ressalta Abramovay. Nesses países, uma variação como o aumento da temperatura pode influenciar toda a cadeia dos demais que se relacionam com ele. O especialista acrescenta: “Você vai me dizer ‘como assim monotonia da alimentação? Eu entro no supermercado e olho toda a variedade’. Mas, se você for examinar, o que tem nesses alimentos é muito monótono, tem pouquíssimo produto vegetal e há muito produto químico”.

Obstáculos

O problema da falta de diversidade agroalimentar não é o único. A qualidade dos alimentos consumidos também é muito importante: “As grandes indústrias alimentares têm que entrar na discussão da qualidade da alimentação. Elas estão oferecendo um conjunto de produtos que são prejudiciais à saúde, que são responsáveis pela pandemia global de obesidade. As pessoas falam muito da carne vermelha, mas a carne vermelha é menos impactante sobre a saúde humana do que os alimentos ultraprocessados, que compõem uma parte grande da dieta da população mundial. Só nos Estados Unidos, por exemplo, 60% daquilo que é ingerido diariamente pelos norte-americanos são alimentos ultraprocessados”, pontua o professor.

O relatório é um alerta, diz Abramovay, de que “precisamos ter uma relação com a natureza e com a agropecuária diferente da que nós temos hoje, compreender como os ciclos naturais funcionam para usarmos menos componentes químicos e oferecermos uma alimentação de qualidade”. Mas ele ainda comenta que essa indústria big food, relacionada à produção e à venda de alimentos ultraprocessados, ainda está fora dos avanços atingidos na área: “Não é possível que essa indústria continue oferecendo produtos prejudiciais. Ela tem que entrar nessa discussão para ver como é que dá para ter uma indústria forte que não envenene as pessoas”.


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