O combate contra a contaminação por chumbo anda ao lado da luta ambiental

Especialistas destacam que a saúde pública e a proteção ambiental são campos indissociáveis para o sucesso de qualquer política de promoção da saúde humana

 30/10/2023 - Publicado há 1 ano
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Estudo aponta o aumento exponencial das mortes por intoxicação por chumbo ao redor do mundo – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagem: Alchemist-hp/Wikimedia Commons

 

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Um recente estudo publicado na revista The Lancet demonstrou um aumento exponencial das mortes por intoxicação por chumbo ao redor do mundo. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que o número médio de fatalidades por conta da contaminação estava em torno de 1 milhão de pessoas. Com o novo levantamento, houve um crescimento de mais de 100% ao atingir 5,5 milhões de indivíduos. 

Kelly Olympio – Foto: Lattes

Kelly Olympio, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP e especialista no assunto, explica que a expressiva alta nos níveis de mortalidade se justifica a partir de um método de estudo diferente daquele usado anteriormente. “Nesse novo método, foram incluídos efeitos que pudessem ser mediados por outros mecanismos que não somente a hipertensão. Também estimaram a perda de ponto de QI (Quociente de Inteligência) devido à exposição ao chumbo em crianças menores de 5 anos de idade e as respectivas perdas econômicas causadas por ambos os efeitos à saúde”, pontua a especialista. 

Por um lado, a novidade do recente estudo apontada por Kelly refere-se à indicação de um potencial de maior magnitude do impacto global de mortalidade por doenças cardiovasculares oriundas da contaminação por chumbo. Por outro lado, há ressalvas sobre o custo estimado para as perdas econômicas relacionadas à perda de ponto de QI, na medida em que pode ser considerado conservador.

Contaminação histórica 

Etelvino Bechara, professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP, resgata o histórico do poluente no organismo dos seres humanos desde o período do povo romano. “O chumbo é um problema de saúde milenar, na história dos romanos já se fala do uso de acetato de chumbo para poder melhorar a qualidade do vinho e adocicá-lo”, esclarece Bechara. 

A disseminação que, segundo o professor, pode se estabelecer por meio da água ou ar, atinge diversos países, não somente os subdesenvolvidos, apesar de estes apresentarem parcelas mais vulneráveis. Isso se deve ao fato de o chumbo poder estar presente, por vezes, ilegalmente, nos mais diversos produtos rotineiros, como maquiagem preta, produtos enlatados e tintas. 

Consequências 

De acordo com a OMS, o chumbo situa-se entre os dez produtos químicos de maior atenção na saúde pública e aquele com a maior quantidade de impactos no organismo do indivíduo. Além disso, o órgão ainda afirma que não há nível seguro de exposição ao chumbo, que pode afetar irreversivelmente o sistema nervoso de crianças. 

Etelvino Bechara – Foto: Reprodução/IQ-USP

Kelly Olympio explica que, apesar de serem expostos a condições similares de exposição, a resposta biológica do organismo ao produto químico pode variar de acordo com inúmeros fatores, como genética, idade, estilo de vida, dieta, sexo, entre outros. “Por exemplo, crianças apresentam uma menor massa corporal do que os adultos, além de estarem em desenvolvimento, desta forma, uma menor dose de determinado químico pode ter impacto relevante e negativo à saúde”, considera Kelly. 

Além disso, características do ambiente doméstico podem favorecer a contaminação, por exemplo, a presença de trabalho informal usando soldas ou fontes de chumbo, como baterias automotivas, tintas descascando, entre outras fontes. Dessa forma, a condição socioeconômica também se faz determinante em alguns casos, visto que a população mais pobre é bastante vulnerável aos efeitos da exposição ao chumbo por, normalmente, terem um suporte nutricional menos adequado, com menores ingestões de ferro e cálcio. Os ambientes de trabalho, moradia e até estudo próximos de áreas mais industrializadas ou sabidamente contaminadas também se mostram como um perigo. 

Para os adultos, as principais consequências da exposição ao chumbo são hipertensão, neuropatia, problemas de memória, irritabilidade, dores de cabeça, diminuição da acuidade auditiva, nefropatia, esterilidade e anemia. Já para crianças, os efeitos implicam principalmente dificuldade no aprendizado, déficit de atenção, diminuição de QI, comportamento antissocial, dores de cabeça, redução do crescimento e da qualidade auditiva, anemia e nefropatia. 

Políticas públicas

A luta contra a contaminação por chumbo anda lado a lado da luta ambiental, uma vez que a exposição ao chumbo perpassa os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Toda e qualquer ação que se faça para alcançar as metas propostas para o cumprimento dos ODS diminuirá a exposição da população ao chumbo e, consequentemente, a intoxicação”, analisa Kelly. 

A especialista ainda afirma que o início da trajetória do risco sempre se estabelece a partir de uma fonte de emissão do poluente que atravessa o ambiente até atingir o indivíduo. Assim, ela destaca que a saúde pública e a proteção ambiental são campos indissociáveis para o sucesso de qualquer política de promoção da saúde humana. 

Sem um nível seguro para a contaminação, a gravidade do cenário é alarmante, tendo em vista que, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), uma em cada três crianças apresenta níveis de chumbo no sangue acima dos valores de referência da OMS. Na visão da professora Kelly, identificar e eliminar fontes locais de exposição, assim como manter as crianças afastadas de áreas contaminadas, antes que a exposição aconteça, são as únicas estratégias verdadeiramente eficazes de prevenção primária

“Apesar da ampla disponibilidade de evidências científicas indiscutíveis sobre a toxicidade do chumbo e rico conhecimento sobre como eliminar o perigo atual, a política pública segue predominantemente uma estratégia de ‘esperar para ver’, uma abordagem na qual as crianças tornam-se monitores biológicos para perigo de chumbo”, diz ela. Prevenção primária, eliminação de fontes de exposição ao chumbo e promoção de enriquecimento ambiental – oferecimento de uma diversidade de experiências educacionais e culturais – para as crianças já expostas e mesmo as crianças da população geral deveriam ser estratégias prioritárias dos governos, em sua opinião. 

*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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