Movimento “Childfree” prejudica a troca de experiências entre jovens e os mais velhos

Especialistas sustentam que, sem essa troca, pode haver um desarranjo na formação social das crianças

 07/12/2023 - Publicado há 8 meses
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Sem a troca mútua entre os mais jovens e mais velhos pode haver um desarranjo na formação social das crianças – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Childfree, em tradução livre do inglês, significa “livre de crianças”. O termo nomeia um movimento de pessoas que optaram por não ter filhos e defendem não ter contato com crianças em espaços públicos. A onda se iniciou, especialmente, nos Estados Unidos e está envolta em polêmicas, com a reivindicação de locais restritos a crianças, como aviões e restaurantes. 

Belinda Mandelbaum – Foto: Jornal da USP

Com a crescente primazia do individual em detrimento da mentalidade coletiva, Belinda Mandelbaum, professora do Instituto de Psicologia (IP) da USP, afirma que o Childfree se encaixa nessa tendência e pode prejudicar a organização social. Sem a troca mútua entre os mais jovens e mais velhos, pode haver um desarranjo na formação social das crianças. 

Thais Bento Lima da Silva, professora em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, avalia a necessidade da construção de uma sociedade mais acolhedora para todas as gerações. “Se pensarmos em uma sociedade que seja digna para todas as idades, nós precisamos de uma sociedade em que haja trocas entre as gerações, promovendo memórias culturais, a história da sociedade e seus valores, que devem ser transmitidos de gerações em gerações”, afirma. 

Origens do movimento

O surgimento do grupo tem raízes junto ao feminismo, conforme explica Maria Rios, pesquisadora do IP da USP, tendo em vista a luta em comum pelo direito de escolha da mulher sobre a maternidade. A mudança do nome original Childless, em tradução literal, “menos crianças” – que pressupõe uma falta de algo que deveria estar ali – exemplifica essa relação também. 

No entanto, apesar de apresentar aspectos em comum com o feminismo, a pesquisadora considera que há implicações diferentes em cada movimento. “A vertente do Childfree, da criação de ambientes em que as crianças não possam frequentar para não incomodar os adultos que estão nesses lugares, do ponto de vista do feminismo, ele é bastante complicado no que tange às violências explícitas e, muitas vezes, sutis contra as mulheres”, afirma. 

Mulheres, crianças e o Childfree

Os efeitos do movimento, ainda que pretendidos somente às crianças, atingem a sociedade como um todo e, principalmente, mães que já sofrem negligências e violências – explícitas e sutis – como a invisibilização do cuidado materno. “Então, se pensamos nesse social muito desgastado, esses movimentos de exclusão de crianças e, necessariamente, de suas mães de alguns ambientes, é muito complicado”, pontua Maria. 

Em meio ao crescente individualismo da sociedade e, com isso, a prioridade da demanda pessoal, a professora Belinda destaca que o movimento ultrapassa alguns limites, na medida em que as crianças também são consideradas e devem ser tratadas como cidadãs. A restrição infantil de espaços, além de causar discussões nos meios do Direito do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente, tem implicações na formação social, na visão de Belinda. 

“É importante que as crianças sejam educadas para conviver nesses espaços, quais são os direitos e deveres de cada e como se comportar. Isso só pode ser aprendido ao longo do desenvolvimento, se a criança não é exposta a essas situações como é que ela vai se tornar um adulto que respeita o outro?”, pondera a professora do IP. Essa mentalidade, incorporada no Childfree, mostra-se muito negativa do ponto de vista psicossocial, uma vez que, sem a convivência, há pouco espaço para o aprendizado sobre o respeito, cuidado e limites do outro. 

Envelhecimento e o Childfree 

Thais Bento Lima da Silva – Foto: LinkedIn

Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil será o sexto país mais velho do mundo. Com isso, as políticas públicas devem elaborar redes de apoio para essa população idosa heterogênea, dentre eles, os que não tiveram ou têm filhos. 

“Apesar dos idosos sem filhos terem a capacidade de criar redes de apoio alternativas – como a participação em programas educativos e de lazer –, muitas pessoas com mais de 60 anos, sem filhos, podem enfrentar desafios adicionais no processo de envelhecimento, caso necessite de cuidados no futuro”, explica Thais. Além disso, a professora em Gerontologia destaca o papel da intergeracionalidade no desenvolvimento das políticas. 

As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto também vão ao encontro das relações intergeracionais, como forma de combate dos preconceitos relacionados à idade e de fortalecimento dos vínculos entre as pessoas de diferentes gerações.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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