“Machine learning” pode ser aplicado até mesmo na medicina

Uma pesquisa feita pelo Centro de Terapia Celular da USP (CTC-USP) desenvolveu um algoritmo de aprendizado de máquina para orientar o diagnóstico de falência da medula óssea

 23/02/2023 - Publicado há 1 ano
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O “machine learning” tem como objetivo construir sistemas computacionais que melhoram seu desempenho com a experiência – Arte feita com imagens de Pixabay e Freepik
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A inteligência artificial possui aplicações que vão desde chats on-line até carros autônomos, mas ela também tem subdivisões. Uma delas é o machine learning – em português, aprendizado de máquina. “A área começou a florescer na década de 90 e somente a partir de 2010, entretanto, houve notórios avanços com o desenvolvimento do chamado aprendizado profundo, o deep learning. Tal ponto de inflexão foi possibilitado basicamente por dois fatores: um, a oferta de uma quantidade colossal de dados necessários para treinar os diversos algoritmos disponíveis nas redes sociais e na internet, o chamado big data, e dois, o barateamento de hardware, que possibilitou que os algoritmos pudessem ser executados mais rapidamente e acessassem uma maior quantidade de dados”, conta o professor Jaime Simão Sichman, do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da USP e também do Laboratório de Técnicas Inteligentes da Poli.

O que é machine learning?

O machine learning tem como objetivo construir sistemas computacionais que melhoram seu desempenho com a experiência, ou seja, eles literalmente “aprendem”. Para diferenciá-lo de sua macrocategoria, a inteligência artificial, Sichman categoriza, de forma mais detalhada, os objetivos: “O objetivo da inteligência artificial é o de desenvolver sistemas para realizar tarefas que, no momento, ou são mais bem realizadas por seres humanos que por máquinas ou que não possuem solução algorítmica viável pela computação convencional”. O aprendizado de máquina corresponde a uma possível abordagem para a resolução de problemas não exatos e que também seriam resolvidos, usualmente, de forma melhor por humanos. Sichman exemplifica utilizando a escolha de um pacote de viagem: “Não é possível programar o computador para identificar o melhor pacote de viagem possível, entretanto, é possível apresentar ao computador milhões de exemplos de pacotes de viagens já realizados por clientes similares, para que ele possa ‘aprender’ qual seria o melhor pacote de viagem para um determinado cliente”.

Jaime Sichman – Foto: Lattes

A máquina pode ser “ensinada” por meio de três maneiras principais, segundo o professor Jaime Sichman: a primeira seria o aprendizado supervisionado, em que são apresentados exemplos de pares entrada-saída, para que sejam generalizados; a segunda é o aprendizado por reforço, em que o sistema atua num ambiente fornecedor de um feedback de como está sendo o desempenho; e a terceira é o aprendizado não supervisionado, no qual o próprio algoritmo deve encontrar padrões nas entradas fornecidas.

Para escolher o melhor método, é preciso identificar o objetivo do uso do machine learning. Ele, geralmente, pode ser o de classificação, quando o objetivo é determinar a qual classe corresponde uma determinada entrada do sistema; de regressão, quando a saída é uma variável contínua e não discreta; e de agrupamento (clustering), caso deseje distribuir um conjunto de entradas em diversos grupos, levando em conta suas propriedades similares. Sichman acrescenta: “Desenvolver um modelo ou a aplicação de aprendizado de máquina requer tipicamente cinco fases: aquisição dos dados; pré-processamento dos dados; treinamento, avaliação e aperfeiçoamento do modelo”.

Inteligência artificial nos diagnósticos

Esse recorte da IA não é válido somente para atividades computacionais, financeiras ou de recomendação de entretenimento, ele também pode ser utilizado na medicina. Uma pesquisa feita pelo Centro de Terapia Celular da USP (CTC-USP) desenvolveu um algoritmo de machine learning para orientar o diagnóstico de falência da medula óssea.

Rodrigo do Tocantins Calado de Saloma Rodrigues – Foto: Fapesp/Reprodução

O professor Rodrigo do Tocantins Calado, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, é colaborador da pesquisa e coordenador do CTC-USP, e explica mais sobre como surgiu o estudo: “Isso veio justamente de um processo de utilizar ferramentas computacionais para aprimorar o diagnóstico desses pacientes, uma vez que é uma doença relativamente rara e o número de especialistas ao redor do mundo é relativamente pequeno para uma quantidade expressiva de pacientes. Na conversa com o pessoal da Computação, mais especificamente da inteligência artificial, surgiu a ideia então de utilizar o aprendizado de máquina para poder abordar essa questão”.

As causas da falência da medula óssea estão relacionadas com as células-tronco hematopoéticas, ou seja, aquelas responsáveis pela produção das células do sangue. Se essas células não se proliferam adequadamente, seja por uma causa genética ou adquirida, a pessoa pode ter anemia, infecções por conta dos poucos glóbulos brancos e sangramentos pela falta de plaquetas.

Células de medula óssea em microscópio – Imagem: Wikimedia Commons

Futuro

Calado vê o uso do machine learning na área da saúde com expectativa, porém, tem algumas considerações: “Como todas as ferramentas, existem pontos positivos e pontos negativos. Eu imagino que um dos pontos negativos é que, obviamente, essa técnica de aprendizado de máquina ainda erra alguns diagnósticos e a gente não sabe ainda muito bem quais são esses diagnósticos errados. A gente pode imaginar de quem é a culpa: a culpa é do médico ou a culpa é de quem gerencia esse software, de quem é a responsabilidade pelo diagnóstico incorreto. O outro é a forma de alimentar esse sistema. Esses processos ainda são relativamente rudimentares e você pode alimentar incorretamente esse aplicativo e, assim, ele pode fazer o diagnóstico incorreto mais para frente, isso é algo que precisa ser aprimorado”.

Reconhecimento facial nos celulares e portarias são exemplos de tecnologias que já vêm sendo utilizadas – Imagem: Freepik

 

Num panorama geral, Sichman analisa o que esperar dos próximos passos do machine learning: “Sem dúvida alguma, o uso de técnica de aprendizado de máquina deverá ter um maior impacto social no futuro próximo. Exemplos concretos de carros autônomos já aparecem cada vez mais na mídia e sistemas de autenticação por reconhecimento facial nos celulares e na entrada de prédios já são utilizados por quase todos nós. Entretanto, como tais sistemas terão impacto cada vez maior em nossas vidas, grande parte dos acadêmicos na área tem se preocupado não apenas em tornar os modelos de aprendizado de máquina mais precisos, mas também explicar ao usuário porque chegaram a uma determinada saída. Além disso, esses sistemas devem ter o cuidado de manter a privacidade dos dados e de utilizar um conjunto abrangente deles, evitando o que se chama de ‘viés dos dados’, o data bias. Tais preocupações são objeto de estudo do que se chama aprendizado de máquina confiável, o trustable machine learning”.



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