Cidades em 15 Minutos: entre um mundo ideal e a realidade desigual

Proposta urbanística prevê cidade com alta qualidade de vida; mas, segundo especialistas, a realidade do sul global está muito atrás na discussão

 Publicado: 12/12/2024 às 12:25
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Fotomontagem em que é possível ver dois cenários: num deles, uma jovem passeia de bicicleta por uma rua tranquila e arborizada; o outro mostra uma paisagem urbana em que predominam arranhas-céus
Diferentemente das cidades europeias, a realidade do sul global carrega marcas profundas de uma história que foi construída mais ao acaso do que por planejamento – Fotomontagem Jornal da USP feita com imagens de master1305/Freepik, wirestock/Freepik e juicy_fish/Freepik
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Cidades em 15 Minutos é um conceito de que as necessidades básicas e principais atividades (saúde, lazer, comércio, áreas verdes e até trabalho) do dia a dia possam ser feitas “em até 15 minutos” das casas, incentivando a caminhada ou a bicicleta. É uma proposta que desafoga o congestionamento dos centros e oferece significativa qualidade de vida à população.

Carlos Moreno, idealizador da ideia, diz que é possível fazer isso em qualquer lugar, mesmo em metrópoles como São Paulo. “Não devemos nos assustar com o tamanho da cidade nem com o número de habitantes, senão nunca se vai poder fazer nada”, escreveu ele para o Valor Econômico. Por outro lado, Deiny Costa, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, tem suas ressalvas: “Eu não concordo tanto com ele, que é tão fácil de ser implantado em megacidades, principalmente as do sul global”.

Jovem branca, cabelos escuros e curtos, óculos.
Deiny Costa – Foto: Linkedin

Realidade do sul global

A pesquisadora argumenta que o processo de expansão urbana das metrópoles de países em desenvolvimento se deu de uma maneira bem distinta das cidades europeias, que é de onde vem a proposta. A formação das cidades do sul foi “muito centrada no rodoviarismo e constituiu uma expansão a partir do automóvel, que é uma expansão desordenada do espaço”, diz ela. Isso faz com que as cidades sejam “dispersas e fragmentadas”, dificultando a implantação de uma “cidade em 15 minutos”.

Segundo Deiny Costa, a ideia em si é positiva, mas tem que levar em consideração as características locais e não uma transposição de um para um. Dados os grandes obstáculos que as metrópoles como São Paulo, Buenos Aires e Cidade do México enfrentam, por exemplo, é idealista demais querer atingir uma cidade em 15 minutos. Para ela, a proposta seria mais um norte de um modelo, não um manual do que fazer nos países em desenvolvimento.

Isso porque, diferentemente das cidades europeias, a realidade do sul global carrega marcas profundas de uma história que foi construída mais ao acaso do que por planejamento. “Temos muita desigualdade socioeconômica e muita segregação socioespacial; temos uma setorização social, onde uma população mora em uma região mais favorecida e outra em periferias, cidades dormitórios”, exemplifica ela.

Ações concretas

Carlos Moreno diz que a implantação das Cidades em 15 Minutos parte de “uma questão de vontade política somente”, argumentando que todas as propostas podem ser abraçadas – basta, porém, um sincero desejo de mudança. A professora Karin Martins, da Escola Politécnica, disserta um pouco sobre que medidas práticas poderiam ser tomadas, uma vez que essa “vontade política” fosse de fato conquistada.

Ela explica que é preciso pensar a cidade em um conceito de “policentralidades”, ou seja, uma cidade com vários centros, distribuída no espaço. Atualmente, as metrópoles concentram grande parte dos serviços, comércios e áreas de cultura e lazer nas regiões centrais. Mas é preciso ter uma “gestão urbana que olhe para as necessidades que vão acontecendo em microescala, localmente”.

Para tanto, é preciso, por parte do poder público, duas atuações: prestação de serviço do próprio Estado e fomentação de atividades privadas. A primeira parte é mais óbvia: melhor distribuição de escolas, serviços de saúde, espaços de cultura, áreas verdes, ciclofaixas e calçadas de qualidade. Isso para que o serviço público descentralize o foco nos centros e aproxime as necessidades básicas e qualidade de vida para toda a cidade.

Mas também é necessário serviços privados, como comércio, mercados e farmácias. Como as regiões centrais são de maior movimento, os empreendimentos tendem a querer se estabelecer lá, gerando um ciclo vicioso. Ela sugere que as Prefeituras, por exemplo, desenvolvam uma gestão diferenciada de tributos, de modo a incentivar que mais pessoas invistam localmente. Mas não existe regra: a realidade deve ser observada de perto para ser entendida.

O que está sendo feito?

Algumas propostas para gerir a cidade de uma perspectiva de “policentralidades” já existem. Em São Paulo, o Plano Diretor prevê aproximar moradia de emprego, além de reduzir a segregação urbana. O projeto, coordenado por Karin Marins, é outro que visa a pensar a cidade, aproximando a Prefeitura de projetos urbanísticos locais.

Mesmo nesse cenário, Deisy Costa, apesar de enxergar as “boas intenções” dos planos, não acha que a situação atual caminhe para mudanças suficientes. Isso bate de novo no ponto que Carlos Moreno mencionou: antes de tudo, é necessário vontade política sincera de mudança. Projetos, por si só, não bastam para mudar, e com isso a cidade deixa de ser planejada para a qualidade de vida das pessoas.

Ambas as pesquisadoras fazem questão de mencionar também os espaços públicos verdes e de lazer. Segundo elas, esses espaços são frequentemente ignorados e esquecidos, sendo tomados como improdutivos e com isso sendo cedidos a privatizações ou restrições. Mas a realidade é que esses espaços agregam muito a uma cidade com qualidade de vida e saúde e atualmente estão em falta locais de cultura, lazer e diversão, em especial em zonas fora do centro.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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