
O aquecimento dos oceanos é um fenômeno que vem afetando os ambientes marinhos e trazendo diversos riscos ao planeta, como o derretimento de calotas polares e alteração nas correntes marítimas. Outro reflexo deste cenário consiste no aumento do nível do mar, que está ficando bem acima do projetado, segundo um estudo publicado na Nature. O professor Eduardo Siegle, vice-diretor do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, comenta as causas desse fenômeno e os impactos que causam à estrutura e às populações de zonas costeiras.

Conforme o especialista, as emissões de gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2), são as principais responsáveis pelo aquecimento oceânico. Ele conta que qualquer atividade que provoque a emissão desses gases, tais quais a queima de combustíveis fósseis, desmatamento e outras atividades humanas poluentes, aumentam a concentração dos poluentes na atmosfera. “Esses gases do efeito estufa retém calor na atmosfera e acabam elevando a temperatura nesse local. Além disso, a água tem alta capacidade térmica, o que significa que pode armazenar bastante temperatura. Existe alta troca de calor entre o oceano e a atmosfera, portanto ocorre uma grande absorção do calor pelos oceanos, resultando no aumento de suas temperaturas”, esclarece.
Impactos
Conforme o professor, através da circulação oceânica ocorre uma redistribuição do calor no ambiente marinho, provocando mais aquecimento em alguns pontos do que em outros, além de locais onde podem ocorrer esfriamentos. Esse processo gera também maior derretimento das calotas polares, que, por sua vez, ocasionam uma maior entrada de água doce nos mares. “Esses meios fluidos do planeta são todos interconectados, por isso temos o tempo todo troca de calor entre esses sistemas. A gente sempre tem uma troca de calor entre o oceano e atmosfera, então aquecendo os oceanos eu posso alterar padrões climáticos globais, vai ter por exemplo a intensificação de eventos extremos, como furacões e tufões”, afirma.
De acordo com Siegle, o aquecimento oceânico afeta também a biodiversidade marinha, pois cada espécie acostuma-se a viver sob um determinado padrão de calor. Ele conta que os corais, por exemplo, são muito sensíveis à temperatura e quando ocorre essa elevação térmica no mar é comum que eles passem por uma alteração física e fiquem com aparência esbranquiçada e, muitas vezes, morrem em decorrência disso. “Os recifes de corais costeiros acabam protegendo essa costa, porque eles funcionam como barreiras naturais contra as ondas. Então, caso seja perdida essa complexidade estrutural, a capacidade de dissipar a energia das ondas é reduzida e ocorrem mais transporte de sedimentos, erosão e inundação costeira, bem como a retração da linha da costa, que vai se direcionando para a direção do continente”, diz.
Nível do mar
Segundo o professor, o nível do mar varia relacionado ao aquecimento por dois fatores principais: a expansão térmica, na qual a água sendo aquecida passa por um processo de aumento de volume. Como a quantidade do líquido nos oceanos é muito grande, essa expansão torna-se significativa com o derretimento das geleiras e calotas polares, que contêm quantidades elevadas de água em estado sólido nas suas estruturas.
De acordo com o professor, a tendência da elevação do nível do mar seria apenas deslocar o ambiente costeiro em direção ao continente, mas, quando não há espaço para deslocamento, a zona costeira desse local, como uma praia ou um manguezal, pode simplesmente desaparecer. Outro grave problema destacado pelo especialista acontece quando os humanos ocupam áreas litorâneas e realizam construções nesses locais, retirando a proteção natural dos ambientes.
“A melhor proteção para as zonas costeiras é o próprio ambiente natural. Então, quando as pessoas constroem proteções mais rígidas, acabam na verdade prejudicando, porque removem a retirada da areia da praia. Isso torna esses locais mais vulneráveis. Como a elevação do nível do mar empurra todos os ambientes para a direção continental, caso haja pessoas e construções nesses locais, a tendência é que sejam empurrados também”, elucida.
Projeções
De acordo com o docente, as projeções realizadas pelos especialistas em relação ao aumento do nível do mar são realizadas com modelos numéricos globais a partir do clima do planeta e os cenários de emissões. Ele explica que os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) exibem diversos cenários de quantidade de emissão e a possível elevação do nível do mar como resposta. Então, as possíveis ocasiões de baixa emissão levariam a um menor aumento do nível do mar, ao passo que um ritmo acelerado de dispersão dos poluentes provocaria maior elevação dos oceanos.
Conforme Siegle, esses modelos globais de clima incluem também os processos de expansão e degelo, de modo que possa ser acompanhada a quantidade de água que entra nos oceanos a partir do derretimento das calotas polares. As medições mais recentes, segundo o professor, incluem também o uso de satélites e marégrafos nas regiões costeiras, bem como a observação de dados históricos. “Esses modelos são muito importantes para que possamos nos precaver e prever as alterações e, a partir disso, podemos trabalhar no sentido de adaptação. É claro que é um processo extremamente complexo e que tem limitações em função justamente dessa complexidade, mas no geral dão boas estimativas do que pode acontecer e nos ajudam no sentido de precaução”, pontua.
Fim das emissões
Conforme Eduardo Siegle, a medida mais urgente para tentar amenizar as consequências dessas alterações oceânicas baseia-se na interrupção imediata de emissão de todos os gases do efeito estufa na atmosfera. Ele alerta, contudo, que a resposta prática a essa suspensão ocorreria de maneira extremamente lenta, ao passo em que os efeitos no aquecimento dos oceanos e no aumento do nível do mar ainda poderiam ser sentidos por décadas ou até mesmo séculos.
“Isso é o que dá para fazer hoje e tem que ser a meta em todas as ações para, em sequência, analisar as formas de depois adaptar e entender como esse processo atua, principalmente nos territórios costeiros, onde ocorrem as principais ocupações. A partir disso, é preciso estabelecer formas de adaptação para cada um dos ambientes, pois eles vão responder de maneiras diferentes”, finaliza.
*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira
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